A Moça Que Era Brisa

Quando eu desencarnei

Não sei dizer bem ao certo

Se aquele canto lá onde cheguei

Era o céu, ou lugar mais perto

Só sei que ao chegar,

Me mandaram esperar

Sentada, paciente

Até vir um atendente

Pra comigo conversar

Entrei numa sala e sentei à mesa

E qual não foi a minha surpresa

Ao saber que tinha que voltar

Com uma tarefa a desempenhar.

Pra pagar a minha estadia

Pro mundo dos vivos iria voltar

Apenas um vento eu seria

Mas era importante o que ia soprar

Meu trabalho era por caridade

Procurar por quem sofreu demais

E fazer esquecer uma parte

Soprar algumas memórias pra trás

Minha tarefa era por piedade

Vetar das memórias alguns sofrimentos

Economizar das pessoas certos tormentos

Pra viverem, ou morrerem com dignidade

E o tempo passou,

E me apeguei à minha função

Deixava leve o meu coração

Ser aquela que com o vento levava

O choro da mãe que embalava

O filho pequeno sem pulsação

Aquela que com o tempo fazia entender

Que mesmo sofrendo é preciso viver

Pra poder ajudar os que ficarão

Até quando acabou o meu tempo

E eu pude partir afinal,

Me disseram, trabalhei a contento

Mas eu me sentia um pouco mal

Pois de todo sofrer que soprei,

Junto também ia um pouco do meu

E agora, eu dizia, se eu chorar

Quem fica pro meu pranto soprar?

Um abraço de luz eu ganhei

“Não vais mais chorar, pequenina

Pois até o pranto sem fim

Nos meus braços um dia termina”

E assim para a luz eu segui

Pra encontrar com o nunca e o sempre

Me juntei ao princípio de tudo

Estive na criação, em seu ventre

E todo o sofrer ficou mudo

E toda a vida voltou

Nesse momento mais uma alma nasceu,

No exato momento que meu vento soprou.