As Facetas Obscuras da Alma Humana

O presente é para sempre, e o eterno está sempre mudando, fluindo, e dissolvendo.

Este segundo é vida. E quando passa, morre. Nada é real, a não ser o presente,

e mesmo assim já sinto o peso dos séculos a me esmagar.

Um homem viveu, há cem anos, como eu vivo. E ele está morto, esquecido.

Sou o presente, mas sei que também passarei.

O momento culminante, o relâmpago fulgurante chega e some,

e a areia movediça continua.

Ninguém quer morrer, mas o ciclo da decomposição não cessa.

E todas as minhas mágoas deslizaram através de meus olhos.

Algo azul em um céu nublado,

Sentimentos que se tocam, tão inocentes

Na fragrância fugaz das flores moribundas;

Algo me golpeou como um talho súbito de faca afiada.

E o sangue diurno do amor,

Com seu longo pesar,

Inundou meu coração,

Então entendi meu desentendimento sobre tudo.

Antes de entregar meu corpo,

Sinto uma necessidade incontrolável de primeiramente entregar

meus pensamentos, minha mente, meus sonhos.

O primitivo anseio ancestral pela sobrevivência.

Quando se sente uma necessidade de se precisar de outra alma para se apegar,

De um outro corpo para nos manter aquecidos.

Entregar a alma escondendo a hesitação.

Os barcos vazios em forma de cisne vagavam de um lado para o outro

No vidro negro da água,

Levando os cadáveres de nossos sonhos,

E não havia mãos para dizer um simples “adeus”.

Arrancar sempre um pedaço de minha vida

Um fragmento de aflições e de belezas implícitas,

E transformar tudo isso em palavras digitadas ou escritas no papel:

“eis minha única felicidade.”

Alguém acredita que eu seja um ser humano e não um nome apenas?

És um feixe de nervos sem identidade?

A solidão vem do fundo indefinido do próprio ser,

Como uma doença no sangue espalhada pelo corpo,

De modo que não se pode localizar a origem de nada,

O ponto de contágio onde a verdade se oculta.

Sozinho em um quarto com os pensamentos a nunca pararem de se confrontar,

Vagando entre dois mundos,

E todos tentam escapar de si mesmos mergulhando em conversas artificiais.

Só se vence e entende a solidão penetrando cada vez mais fundo nela.

Para que serve a boa aparência?

Para garantir alguma segurança e conquista temporária?

De que adianta ter consciência? Para se afirmar “eu vi e compreendi”?

Buscando consolo na companhia intelectual dos outros,

Não há outro ser vivo neste planeta nesse momento, exceto eu.

Atravessando corredores de prédios,

Becos com iluminação artificial a zombar de nossos corpos,

Mais a vida é pura solidão,

Apesar de todos os opiáceos químicos e abstratos,

Apesar do falso brilho das festas alegres sem propósito algum;

Apesar dos falsos semblantes sorridentes que ostentamos...

E quando se pensa que se encontrou a pessoa em quem se pode abrir a sua alma,

Abraçar sem medo e dúvidas,

As palavras pronunciadas tornam-se tão ásperas, feias, desconexas, clichês, enferrujadas,

desprovidas de verdadeiros significados,

Por terem ficado tanto tempo aprisionadas em nosso íntimo.

A consciência da alma, em sua autoconsciência macroscópica,

é sempre angustiante e predominante.

Estamos todos na beira do precipício,

é necessário vigor, coragem, seguir pelas bordas,

olhar para baixo, e encarar a escuridão profunda do abismo que somos,

através da névoa amarelada e fétida o que jaz abaixo das palavras,

na armadura metálica que esconde os pensamentos e seus vômitos,

tentando achar um centro que traga um significado verdadeiro para uma alma a deriva.

Deve-se aprender que nunca se pode aprender nada válido como verdadeiro,

Apenas ditos transitórios, fugazes, que são injetados em você em certos momentos,

Em sua localidade e em seu estado de espírito atual que imaginas que é teu.

Deve-se aprender que o amor nunca chega pra valer,

Pois quem tu admiras é um fruto inatingível de tua imaginação externada;

E nós sabemos que existem milhões de pessoas infelizes,

E suas vidas é um acordo de hábitos para sorrir e adornar

O semblante de contentamento,

a fim de que os outros se sintam idiotas por serem infelizes enrustidos;

e tentam ter fé em algo,

Embora por dentro a grande maioria esteja definhando paulatinamente

pelas amarguras e frustrações;

Deve-se aprender que o que tu admiras e desejas de alguém é a ausência do que não possuis;

E a guerra do duplo ódio arrebentará as tuas entranhas em nome da luz

Que deve ser lançada sobre a escura metade da opressão dos mais fracos

Que se finge se importar.

E o Jogo do Fingimento é infinito em ambos os lados,

E você e seus adversários que tu dizes não se incomodar

Enfrentam-se com sorrisos atrevidos e cínicos,

Enquanto dardos envenenados penetram sorrateiramente nas feridas mútuas.

O ser humano ri de sua necessidade de retaliar,

Usando os mesmos métodos infantis, enfileirando suas conquistas fúteis.

Bancando o magnânimo, o conhecedor de assuntos acadêmicos e atuais

com opiniões retiradas de alguns livros,

e sempre se acaba a usar as mesmas armas e estratégias.

Suas próprias palavras não bastam?

Ao que indica... Não.

Um encontro com novas pessoas para ver se são diferentes, inteligentes, desejáveis...

Quer-se gritar,

Mas os vácuos bem-vestidos e as amenidades superficiais permanecem crescendo dentro de si.

Para que serve realmente a sua própria vida, e o que fazer com ela?

No íntimo, não sabes, e sentes medo, porém o ocultas.

Poder ser todas as pessoas que se quer ser,

Viver todas as vidas que se almeja,

Assim talvez por isso se queira ser todos:

assim ninguém pode culpá-lo(a)

por você não ser você mesmo.

Senta-te na cama, em teu quarto,

E sinta essa dor pungente em teu corpo,

Travando a garganta e se contraindo perigosamente

No canal lacrimal atrás do olhar.

Você sente “aquela palavra” e “aquele gesto” se contrair dentro de ti,

Mas tudo está magnetizado em tua alma inseparavelmente:

Ressentimentos remoídos, desejos supérfluos, libido gritante,

E tudo isso explode dentro de você,

E a seiva dessa fúria impotente se converte em lágrimas,

Um choro que não é endereçado a algo em particular,

Mas que está abarcando tantas coisas,

E nenhum ombro amigo te amparará,

E aquela voz que busca te consolar dizendo: “Calma, tudo isso vai passar...”

Só fala o que você está exaurido de escutar.

Onde foi parar aquele ser que eras no passado?

O que “aquele ser que foste” pensaria de ti hoje se te visses desse jeito?

Percepções sensoriais e fluxos de consciência espasmódicos revelam tanto sobre o nosso ser,

Um estado de espírito transmutado, nascido da renúncia da complexidade,

Sociedades subjugadas pelo Tempo,

Pela falta de Tempo,

Pela corrida pelo Tempo,

Refugiando-se no não-pensar em sempre estarem fora de si mesmos,

Entre lampejos momentâneos de bem-estar e mal-estar.

Esse narcisismo patológico em querer ver as coisas refletindo suas idiossincrasias em tudo,

Quando na realidade as verdades que crês controlam o teu ser e a tua vida.

Tens que subir à superfície profunda de ti mesmo,

Meio afogado ou extremamente feliz com sua nova personalidade despersonificada.

Esse ridículo animismo fixado até nos fatos,

Personificando o mundo e o universo com esse nada mistificado e mitificado,

Essa vontade tola de querer ser emancipado e importante de qualquer forma...

Alimentando-se de orgulho,

Cultivando a aparência física sempre velada;

Abraçados em pé,

Pernas entrelaçadas, boca contra boca,

E os corpos arfando e ondulando em um atrito inflamável,

Prazer e dor se misturam em uma só essência:

Mergulhar no negro poço ardente do esquecimento provisório?

Perder nesses instantes a identidade verdadeira de si?

Isso nunca foi Amor,

Era uma outra coisa;

Talvez um hedonismo mais refinado.

Beijos são dados e recebidos.

Há beijos dados em crianças pelas mães,

Por apaixonados em suas amadas,

Por homens nas ruas em prostitutas. Cinderelas de todos os tipos e formas.

Um encontro incomensurável dos lábios. Isso é tudo, animais carentes que somos,

Vazios do calor e da companhia do Auto-Conhecimento,

Porém afirmo que um beijo é apenas um mero símbolo da adoração mental.

Mesmo quando se deseja possuir seios fartos,

e um corpo maravilhoso que hipnotize os olhos dos homens,

O que tudo isso quer realmente comunicar, revelar?

Não se quer admitir ser vista como um objeto sexual,

Mas adoras ouvir elogios de sua mente e de seu corpo que inflem o ego do teu eu.

Que surpresa! Você deixou que braços te abraçassem sexualmente. Talvez!...

Numa última tentativa fútil de conservar e guardar

o calor amoroso e a pulsação da vida

Transmitida através da pele em contato com outro corpo.

O que isso te ensinou?

Só um cansaço, uma vontade de encostar-se num ombro para dormir,

Um par de braços para se aninhar,

E a falta de tantas coisas circulando ao teu redor...

E a noite despenca dos céus,

e se reduz a uma fatia bidimensional do tempo-ceifador,

Esperar por uma chance de amor e segurança interna,

Antes de sentir o pleno impacto de sua própria inseparável solidão.

Desejo místico de chegar à aniquilação sensual,

Desfazendo a identidade na identidade do outro,

A dominação e a subordinação em todo ato sexual,

Um auto-sacrifício sempre buscando uma auto-satisfação.

Tudo é puro egoísmo transliterado com novos verbetes.

A mente humana é tão limitada que só consegue inventar

um paraíso pós-morte arbitrário, e os confortos físicos que lá são inseridos

são ingenuamente dos tipos que podem ser concebidos

conforme a percepção humana sonha: o fluxo eterno da alegria e da felicidade,

E a supressão de todo tipo de dor e sofrimentos.

Patéticos somos nós em tudo.

Negro é o sono, negro é o desmaio, a morte, sem luz, sem despertar.

E eu sangro por todos os indivíduos nos campos de batalha que pensaram:

“Eu sei que estarei num lugar melhor, cumpri meu papel, sacrifiquei o melhor de mim...”

É espantosa e repulsiva a obsessão do ser humano pela destruição e pela guerra!

Por que eletrocutamos um indivíduo por matar uma pessoa,

e depois pregamos uma medalha de honra em quem cometeu

assassinatos em massa contra sujeitos convencionalmente rotulados de “inimigos”?

E os veteranos das grandes guerras mundiais? Sentem-se orgulhosos de verdade?

Os aleijados e os inválidos com suas roupas de militares amassadas no guarda-roupa.

Que vida gratificante levam? Apodrecem nos hospitais, no alcoolismo,

E nos esquecemos facilmente deles.

A vida é um movimento rápido,

Um fluir contínuo, sempre em mutação,

Assim como estamos sempre a nos despedir do que nossas retinas tocam,

Indo a lugares, vendo pessoas, procurando sempre algo para fazer, para dizer,

Num ciclo de gratuidade sem sentido.

Refugiando-se nessa ideologia neolítica de “não me importo como o que pensam de mim”;

Não crê em Deus, e nem em vida após a morte,

E já não se pode contar com o paraíso quando sua alma inexistente ascender.

O vento soprou uma lua amarela morna para cima do mar,

Uma prece asfixiante brotou do céu bucólico,

Derramando pétalas de luz clara enegrecida,

A piscarem na pusilânime superfície oceânica do cerne da alma humana.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 05/05/2010
Código do texto: T2238892
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