A Vida é Justa?

Acordando de madrugando sufocado pelo sangue

Que escorre de suas fossas nasais.

Ele chora diante do espelho enquanto limpa seu rosto ensangüentado,

Sua esperança apenas dilata mais ainda suas dores,

Abrindo feridas de seu passado quando já se sentiu feliz,

Cortando a ponte de seu futuro cheio de possibilidades agora queimadas.

Ele olha para o corpo de seu filhinho que nunca chegou a nascer,

Abortado no útero da vida,

Escondendo no mais íntimo de si

o amor tão intenso que tem por sua família,

Pois ele sabe que assim é melhor:

Nem todos estão preparados para a revelação da verdade,

Por tanto é preferível não se apegar a nada e nem a ninguém

A fim de que o sofrimento e a dor na hora da despedida final

Sejam amenizados naqueles instantes em que olhos suplicam por oxigênio,

E as mãos trêmulas se aquietam repentinamente,

E as contrações do corpo ficam em silêncio,

E a alma irreal não está nem em paz e nem em tormento:

Apenas já não-é eternamente.

Chega de analgésicos, benzoadiazepínicos,

E novos tratamentos.

Tudo o que eu seria passa como um relâmpago diante de meus olhos,

Um leve filete lacrimoso desce lentamente de seu olho esquerdo;

O que estará por trás do outro lado desse espelho?

Ainda que soubesse, o que isso mudaria?

Uma auto-consolação?

Uma fé, uma força superior?

Uma coisa qualquer para se sentir menos medo?

A vida será uma tragédia no final das contas,

Ou apenas um conjunto de casualidades inevitáveis e fúteis simultaneamente?

O mundo todo jaz em seu sono progressista preterizado,

Meus livros rezam por mim com a mesma fé que vomitei aos sete anos de idade.

Profecias genocidas que devem ser cumpridas

são mais importantes do que as milhares de vidas que ela sacrificará?

E tudo isso para provar o quê?

“Que Deus é onisciente,

Que tudo o que Deus proclama há milhões de anos atrás vai acontecer,”

Custe as vidas que custarem!? É isso...

Não vejo coerência, sensatez e justiça em nada disso,

Em nada do que esses livros negros “beatificados” decretam.

Queimem no inferno que eles mesmos criaram esses malditos livros e seus autores.

Pecado é unicamente um dogma teológico criado,

O pecado só reside no olhar moralizado e moralizante do ser humano.

O pecado é só uma alegoria de nossos ancestrais simiescos.

O relâmpago de toda a sua vida futura passa num piscar de olhos,

Só ele o viu,

Então ele chora profundamente por si mesmo,

Já que ele se sente digno de suas próprias lágrimas sagradas,

E essas lágrimas o purificam de tudo o que a sua própria mente o acusa,

O ruído do vento afagando as folhas das árvores no quintal,

Ele sente cada partícula de todo ser vivo, e da vida em si,

Se espalhar dentro de seu corpo aviltado,

E não há verbetes lingüísticos que descrevam essa sua felicidade infeliz,

Mas o que é real é sempre algo triste e ao mesmo tempo lindo,

Grandioso, profundo, forte, intenso e único,

Só pelo simples e insondável fato de existir,

De estar lá,

De vê-los ou de senti-los,

Não importa...

A sua incurável doença não atrofia os braços de seu olhar e de sua mente

Que apalpa, contempla e beija a essência inextirpável de cada coisa,

de cada momento,

de cada palavra pronunciada ou só mentalizada,

de cada gesto que não ganhou contorno,

de cada amor inverbalizado,

de todas as sensações que nunca ultrapassam a porta da consciência,

Mas estão lá,

Ele os sente sem saber como,

E mesmo assim os ama sem saber o porquê.

Se a vida é Justa?

Deixo tal pergunta e possíveis explicações nas mãos da consciência.

Não existir a Morte e nem “Alegrias” não provariam se a vida é ou não justa.

Meu coração apenas almeja acariciar

esses pequenos momentos de lucidez e simplicidade

que há em todas as coisas.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 10/05/2010
Reeditado em 12/05/2010
Código do texto: T2248585
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