As Névoas da Alma
A ferida chora a ausência da ilusória sensação,
A alma tornou-se num cálice de sangue e dor,
Quando a memória submerge os navios afundados pelas mentiras,
E o pesar desertifica a fertilidade da razão.
Mesmo quando as bocas se fundem numa só,
E as mãos são erguidas com tamanha fé,
E se mergulha no abismo por amor,
Sempre haverá a dúvida, o receio, o medo entrelaçados,
Permanecendo a circular nas artérias da alma.
O que fazer com toda essa angústia
Que goteja numa alma transbordante de dor e raiva?
Inerte, imóvel,
Beijando a fronte do amor sepultado,
O alento de uma nova manhã ainda entorpecida
O espelho envelheceu a força de seu rosto,
A voz dela ressoa em cada coisa e parte onde jaz uma lembrança.
E eu senti os golpes da mentira em meu ser ao encarar teu olhar,
Esse teu lindo olhar de cordeiro com a alma de demônio...
Ceguei minha lucidez para provar a mim mesmo que eu estava errado,
Mas teus olhos silenciosos me confessavam a tua verdadeira essência
Que teus lábios persistiam em não me revelar,
sempre te ocultando de ti mesma.
E rasguei todos os véus do meu ser
para te revelar quem eu sou,
Teu corpo é uma densa névoa,
Buscar-te é se perder irremediavelmente,
Pois te sinto, mas nunca posso tocar tua essência.
Despir a própria alma é tão difícil e tão sério,
E me odeio por não ter escutado a voz de minha lucidez.
As raízes da felicidade enxertadas no vácuo,
O presente vaporizado e somatizado pelo corpo,
Aqueles lábios eram o bálsamo de sua alma vazia,
Mãos enlaçadas por uma força inefável,
Caminhando, porque em seu olhar havia abrigo e compreensão.
A tristeza não está no que o meu olhar afaga
Mas sim em minhas próprias retinas.
A melhor máscara é sempre o próprio o rosto,
E o espelho reflete a sombra disforme do que se quer contemplar em si,
Mas o eu-verdadeiro bate com ímpeto na porta da consciência,
E o ser se esconde de si mesmo,
enterrando sua auto-aversão no lago do inconsciente.
O que fazer com toda essa angústia
Que goteja numa alma transbordante de dor e raiva?
Cada ser humano é um cemitério de sonhos e desejos,
Despersonificando o próprio ser para ser um outro ser,
Num ciclo interminável de auto-aversão...
A espada da fé afogou-se no rio,
E o coração vomitou todos os sentimentos de si.
A realidade é uma medusa que petrifica a quem a confronta,
Teu rosto é a inversão de teu próprio eu,
Ainda embriagado pelas mágoas não deterioradas completamente,
Enquanto tuas mãos acariciam ceticamente o espectro de um novo rosto,
Querendo ressuscitar o lampejo do amor em si,
Mas só há escombros e ruínas em cada alma,
em cada rua,
em cada lar,
em cada passo disléxico articulado.
Gilliard Alves