A Arte de Aprender a Criar

No decurso de nossa existência,

A realidade me decepcionou, pois ao vislumbrá-la,

Minha imaginação, meu único órgão para sentir a Beleza e o Prazer,

Não se lhe podia aplicar seus ilogismos,

Devida a lei inevitável em virtude da qual só é possível imaginar-se o ausente.

Mas mínimas sensações, como um som já ouvido,

Um odor outrora aspirado,

O sejam de novo tanto no presente quanto no passado,

reais sem serem atuais,

ideais sem serem abstratos,

e logo se libera a essência permanente das coisas,

tão laboriosamente escondidas,

e meu verdadeiro eu, o qual parecia estar morto,

desperta, levanta-se, e anima-se

ao receber dos corvos o celeste alimento das grandes e raras almas humanas.

Essas ressurreições do pretérito,

Durante sua fugaz duração;

Soa tão totais que não se limitam a impedir os olhos de ver,

Onde se acham para contemplar uma estrada ladeada de árvores cintilantes;

Forçando a vontade a optar entre os diversos projetos que nos sugerem,

A pessoa inteira a crer-se em seu âmago,

A mergulhar no mais profundo de si próprio,

O pelo menos a tropeçar entre imagens, palavras e locais presentes,

Na vertigem de uma incerteza semelhante (a que nos provoca por tantas vezes),

Ao adormecermos, uma visão inefável de tudo.

O sinal da irrealidade dos outros se revela como um soco na consciência,

Quer em sua impossibilidade de nos satisfazer,

Quer pela tristeza que se lhes segue a satisfação para algo conseguir,

E que uma vez alcançado, se torna em si tão fútil, tão banal, tão previsível.

Ao recapitular as decepções de minha vida enquanto vivida,

Tendentes a me convencer de que a realidade desta devia residir fora da ação,

Segundo as vicissitudes da existência,

Os diversos desapontamentos reprimidos e s batalhas perdidas por incapacidade ou medo,

Concluí que as decepções sofridas e até as do amor não eram independentes,

Mas havia um tênue fio que ligava todos os fatores, emoções, e atos de minha existência.

O medo angustiante de amar e suas cicatrizes incuráveis,

Aprendi que amor só existe em seu próprio autor e criador,

Jamais na obra ou na coisa ou ser que o projetou.

Amar é pura intransitividade verbal que se persiste em dar complementos fictícios.

Os jogos de poder, ciúme e possessividade em todo relacionamento

Atrofiam a veracidade implícita do verdadeiro amor.

Aprendi o quão inseguro de si e vazio o ser humano é.

Procurei então desenterrar o que meus olhos haviam encoberto:

Uma nuvem, um triângulo, um campanário, uma flor, uma idéia, crenças...

Encontrar o verdadeiro sentido que talvez houvesse nesses signos interpretativos,

E nesses sinais desvelar algo diferente que me pus buscar a descobrir,

Idéias traduzidas à maneira de hieróglifos,

Uma nova metodologia de decifração para se encontrar a verdade das coisas.

Só vem de nós o que nós tiramos da obscuridade reinante em nosso íntimo,

E sempre é o que os outros não conseguem ver e compreender.

Em torno dessas verdades dentro de nós

Flutua uma atmosfera de poesia, de doçura, de um mistério

Que é senão a penumbra que atravessamos todos os dias inconscientemente.

E como meu ser sente a existência de cada corpo com sua nudez pragmática;

Qualquer objeto outrora visto, se o revemos,

Ele nos devolve com o primeiro olhar nele pousado,

Todas as imagens e sensações que então o enchiam.

Meu ser se abstraindo em todas as coisas

Não passa de uma pedreira abandonada.

Que julga igual e monótono tudo quanto encerra a vida nesse mundo,

Mas de onde cada recordação, como sendo um escultor grego,

Tira e cria inúmeras estátuas de si próprio,

Muitas delas mais vivas, formosas e reais do que o próprio artesão das palavras.

O perfume imarcescível de cada ruído, odor, gesto, sensação, olhar, pensamento

Inebria a cada momento todo o cosmo sempiterno de minha alma.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 17/05/2010
Código do texto: T2262616
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