As Unhas

Meus pequenos vestígios de casco,

Olho pra eles no fim das falagens,

Vislumbro esse incontestável traço,

Do animal civilizado que nega o selvagem.

Posso roer pelo desespero de ter,

Tentar eliminar as fagulhas,

Com luvas ou meias posso até esconder,

Mas é algo persistente, se insinua.

Tiro uma lasca grande,

Subtraio essa parte do corpo,

Naquele ato degradante,

Elimino uma fração que me dá nojo.

Por isso o Diabo uisa cascos,

Para relembrar a selvageria,

Esse Pã que causa asco,

Exemplo claro de rebeldia.

Galopa com suas patas esmagadoras,

Embrutecidas pelo contato com o solo,

Algo rudimentar, uma pisada opressora,

Hábito que com meus traços delicados, ignoro.

Vamos colorir, cobrir de esmalte,

Esmaltadas talvez sejam menos rústicas,

Mas um ponta insinuante é algo grave,

Devemos com alicate reparar as minúcias.

Alguns perdem os dedos,

Mutilados por inteiro,

Nesse caso não tem jeito,

As unhas vão por arremedo.

Se crescem viram garras,

Arranhamos com vontade,

Cortamos, pois são afiadas,

Usamos com destreza e velocidade.

Dedilhamos as cordãos de um violão,

Cutucamos aquele cantinho do nariz ou ouvido,

Coçamos aquela coceirinha que dá comichão,

São vários usos que esse apêndice nos tem permitido.

Somos insistentes em negar o animalesco,

Usamos postiças pra plastificar o bicho,

Nas mãos do trabalhador braçal dura mesmo,

Petrificada na labuta do proletário sofrido.

Deus não tem unhas?

Sua Destra seria mutilada?

Fica a pergunta,

Só o Diabo tem pata fendada?

Seria o problema de Jehová de queratina?

Nós recusamos por dispor de outras ferramentas,

Assim dizemos ter mudado a anatomia,

Darwinismo que tenta elucidar nossa existência.

Quando quebram causam dor,

Uns usam isso como tortura,

Seja de que maneira for,

Influenciando nossa conduta.

Servem de abrigo a outros seres,

No ato de prazer causa tesão, arrepio,

Crescem mesmo cortando, diversas vezes,

Temos que podar feito jardim em desalinho.

Picotamos, umas saem inteiras,

Engolimos numa antropofagia,

Pedimos as crianças arteiras,

Que não levem a boca essa escatologia.

As unhas são extremamente traiçoeiras,

Escapam dos impositores dedos,

Provocam fugas em escarificação ligeira,

Giram num ritornelo matreiro.