Homem Gato: delírio insano

Andando sobre arame farpado,

sentindo os pés sangrarem,

tentando minimizar a dor interna,

ouço o som das ruas, o grito da noite,

o asfalto ferve na arrancada do carro,

os pneus derretem pedindo sossego,

os corvos observam pousados na fiação dos postes,

um violino corta a escuridão ecoando na multidão,

caminhando sozinho em busca de estrelas,

clamando por uma tempestade que lave as mágoas,

lembrando o que se quer esquecer na eternidade,

sorrisos distantes destoam dessa vida alucinante,

desejando um sono tranqüilo em uma cama sem espinhos,

clamores nas igrejas acendendo velas aos anjos,

esperando por milagres que jamais acontecem,

vivendo cego em meio à visão do fim de um tempo infinito,

perdendo o jogo em cartas marcadas de tristes ilusões,

o som ensurdece os ouvidos e o violino continua seu solo,

sentindo o veneno da depressão correr pelas veias,

o carvão já não consegue mais manter a fornalha aquecida,

estamos congelando, congelando sentimentos,

o delírio me faz cantar melodias desafinadas sobre perdas,

esse é o som da verdade cortante como lâmina na face,

marcando com cicatrizes o tormento de uma alma,

esse é o som das avalanches das montanhas nevadas,

sufocando no terremoto de desesperos inaudíveis,

sem uma identidade social, sem uma identidade individual,

representando em um teatro de loucos que se fingem sãos,

correndo para fora de mim mesmo sem conseguir abrir as portas,

esse é o som da revolta, esse é o som da guerra de um só,

socando paredes, quebrando janelas inexistentes,

vendo os castelos desmoronarem e as florestas incendiarem,

não há mais para onde ir, não há mais rota de fuga,

o farol está tão longe com sua luz apagada nessa tempestade,

a solidão finca estacas no lugar onde costumava haver um coração,

estou vazio, sou o gato sonhando que é um homem,

ou sou o homem sonhando que é um gato?