O que o-corre em nós?

A vida paradoxada precisa ser redimida do sofrimento?

Todo o sofrer precisa de explicações para nos auto-consolar com suas mentiras?

Por que não expiar as remissões que as portas te clamam através do sangue das loucuras?

Transformaram a dor numa crise divina, numa dívida, num prazer superior e dominador?

Tua cruz de que te glorias jamais justificou a vida e nem a ti,

Teu pensar contaminou a pureza das desigualdades e desarmonias do existir.

Engulo em só gole o meu passado futurista,

E vomito o presente do que vejo amanhã nos olhos despersonificados do vento...

Este maldito medo de tocar em teu rosto divino,

A vontade encarcerada de te colocar em meus braços por cima das larvas das discussões,

E o Infinito deita-se sobre o abismo do nada, a fim de que caminhemos juntos,

E a vida toca em sua flauta ensandecida a beleza afirmativa de cada dor,

De cada tragédia, de cada aniquilação e novos renascimentos.

Quando me cortei, foi você quem sangrou;

Quando caí dentro de mim, foste tu quem se machucou;

Quando me afundei em minhas mágoas,

Foste tu meu amor quem se afogou para me resgatar;

Quando todos, e até eu mesmo, abandonei-me nas escuridões de meu pensar,

Tu então te perdeste voluntariamente a fim de me encontrar

Nos labirintos que trafegam e poetizam nos oráculos de meu corpo e de meu íntimo.

O que ocorreu em mim???

Pluralizo-me em todas as singularidades,

Singularizo-me em cada pluralidade;

Desertifico-me nas abundâncias verbalística;

Abundancio-me nos desertos multiformes dos verbos des-nominalizados;

Aproximo-me cada vez mais nas distâncias,

Porém me distancio ao sentir os passos de qualquer aproximação;

Santifico-me nas águas venenosas de meus pecados,

Contudo eu peco ao caminhar na idéia sedutora da santificação redentora;

Ficcionolizo-me nos muros lamuriantes de cada realidade,

E torno-me mais real em cada ficção hipoteticamente corpórea e mitificante;

Embriago-me e fortaleço-me ao ingerir todas as dores e antíteses da vida para celebrá-la,

Contudo quase todos se entorpecem ao se embriagar com suas explanações,

Para diminuir e evitar a dor e os aguilhões dos aparentes absurdos do ser, do existir;

Orvalho-me das fogueiras subterrâneas onde escondeste teu coração dos hereges do amor;

Entretanto, o que podes saber?

O que deves fazer?

Quem tens a esperar, enquanto escutas os sinos do trem de tua inde-cisão?

O que queres de ti?

O que sentes quando não sentes o que querias sentir?

O que sabes sobre ti são evidências imutáveis,

Ou formulações equacionadas por ti sem que nem soubesses conscientemente

Sequer a origem de um mero impulso?

O que “Eu sou” te revela quando te confronta com o teu “Eu quero”?

Por que continuar a abrir os olhos,

Se nem tens certeza absoluta de que estamos acordados?

Por que continuar abrindo os olhos,

Se o nosso fado é permanecer na de-composição eternamente?

Todavia teu beijo me desnuda de tudo o quanto o mundo me civilizou,

Com suas emendas constitucionais que vomitam sangue e mentiras tão bem garridas,

E me salvo finalmente adentrando na escuridão insaciável de tua alma;

Essa alma: tão corroída por dúvidas e auto-indefinições.

Amo-te no âmago asfixiante e capcioso de teu amor inconfesso e tão morfo-lógico.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 29/08/2011
Código do texto: T3188541
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