A partir do entulho
Vê as ruínas?
A partir do entulho escolha o que é de teu gosto.
As janelas não se abrem para o azul
Já não há olhares sonhando com o céu.
Não há luz suficiente que atravesse estes vitrais.
Ainda a janela e seus escombros?
Onde está a paisagem verde como o ventre da floresta, cheio de folhas e asas?
Larga da janela e prossegue.
Vê os azulejos portugueses? Deseja-os?
Alguns são vermelhos, como sangue derramado por suicidas e apaixonados obsessivos.
A partir do entulho escolha o que é de teu gosto.
Há abundância de cores e histórias nestes cacos.
Prossegue. Invade a cozinha. Alguma coisa?
Só resta uma abundância de odores na névoa deste ambiente.
Nem um só talher, uma faca que seja que corte este nó com o passado.
Há algum objeto escuro como carvão,
Oculto em algum lugar na escuridão.
No baú. Ousa?
A partir do entulho escolha o que é de teu gosto.
Salta cores aos olhos.
O deserto branco (o que restou de branco e puro). Este branco que inventou o calor do verão.
Prossegue até o jardim que não existe
E permita-se vestir de cores do sol e das flores ou a cor escura da terra.
Você pode tomar para si o amarelo-ouro
Como fruta madura.
Pode brincar se quiser com o arco-íris
Deste quebra cabeça que é teu passado.
A partir do entulho faça tua veste ou tua mortalha.
Só você sabe a cor de sua miséria.
A partir do entulho escolha o que é de teu gosto.
Mauro Gouvêa