Simples monólogo sobre o tempo

Pessoa ainda menino, infante

aproveita a eternidade de teu tempo

para sedimentar as brincadeiras nas lembranças

e aguçar a curiosidade acerca da esperança

e ouvir o pulsar de tudo que habita o universo,

pois chegará um dia em que não terás tempo

para essas coisas tolas, pequenas e sem graça

na tua concepção multifacetada de gente

supostamente grande e importante.

Pessoa jovial e ainda adolescente

aproveita a efervescência de teus sonhos

que, por ora, são todos possíveis e magníficos,

para inventar as paixões mais desmedidas

para viver as histórias mais inenarráveis

e descobrir terras, planetas e mares intocáveis,

pois não tardará chegar um tempo doravante

em que na tua visão de mundo, o mais importante

será o acúmulo de posses e títulos

em detrimento do humano, esse ser ridículo.

Pessoa jovem, moço ainda na fase das escolhas

opta pela beleza insaciável da juventude

e aproveita os momentos de amor plural

e se necessário troca a noite pelo dia,

pois aproxima a época em que aos teus olhos

os dias serão apenas intervalos exíguos

e sequer terás espaço para o beijo colorido.

Pessoa já na meia idade, tempos ditos da maturidade,

decide virar corpo e mente para os tempos pretéritos

e observa que, embora já passados alguns anos,

tua vida ainda é repleta de tempo e há mistérios

tantos a serem desvendados, por isso aproveita tua experiência

para colocar na balança e nortear tua vivência

entre os afazeres e os prazeres do contato humano,

para que na senilidade não pareça tudo um ledo engano.

Pessoa na melhor idade abre a janela de tua história

e se a retina de teus olhos não colabora

vê pelas lentes lúdicas da tua memória

que todavia o tempo tenha passado repentinamente

ainda há, na tua dádiva de vida, tempo suficiente

para perceber que, na verdade, a sobra e falta

de tempo estão ligadas exponencialmente

à essência e interesse e foco e relevância

que a pessoa sente, percebe e tem por outra pessoa.

Observa como as águas do rio sempre

têm tempo e força e direção ao mar;

é que pro rio, a direção do mar é que é essencial.

Olha como os raios de sol rompem

o firmamento, atravessam nuvens de tempestade;

é que pro sol, brilhar no universo é o que interessa.

Admira como as estrelas se ofuscam pacientemente

com a luz dos dias longos aqui nos trópicos,

só para à noite cintilar alvissareiras na escuridão;

é que para elas, enfeitar o céu é mais relevante.

Dito isso, se em vinte e quatro horas de interstício

alguma pessoa se vê desprovida de fração milesimal

de tempo para lhe pronunciar um vocábulo sequer

é patente aceitar que à essa pessoa tornaste-te um ser

irrelevante, desinteressante e não essencial,

pois tempo - sua sobra ou falta - é fato fictício;

não vês que pro amor o tempo é uma eternidade?