Nebulosa
Olhos tristes e esbugalhados
se arrastam com dificuldade
de tão pesados, olhos esses cansados
lúgubres, olhos pretos
como dois corvos enlutados.
na minha janela pousam as mariposas da noite
e ao longe se ouve o pio da coruja.
E os olhos recolhidos
pelo véu preto da viuvez solitária
goteja lágrimas de tristeza,
numa noite enevoada.
Tira com dificuldade - as mãos pálidas -
notas do piano, como quem por ele derrama
o fel da angústia e da dor que dentro se inflama.
Nesse instante faz tocar ao meu coração
tua melhor canção
que me faz dormir nas noites frias de solidão.
A senhora de preto , a viúva branca, pálida
se senta ao meu lado, e lá fora o tempo se fecha
como as cortinas que aqui dentro com o vento farfalham..
as luzes se apagam, acendo uma vela
pego na sua mão translúcida
e danço, danço e danço...
quando canso enfim pego duas taças
e o vinho velho para melhor degustarmos
De um só gole, acendo um charuto e
Da-lhes uma tragada, poluindo por dentro
O ser puro que agora se joga na lama dos vícios
e das vaidades, o vinho tinto,
a gota de sangue derramada
a vertigem dilatada, os corpos nus e embriagados
foi-se minha virgem imaculada,
e agora restou o mal-feitor desgraçado.
Que agora fecha a cara nebulosa
abre um sorriso estridente
que reluzia na face sombria
o sorriso macabro
Não dobrava se quer uma curva
da lânguida faceta que se descobrira causticada.
Retinia sinistras gargalhadas
misturadas com copos de vinho
a lágrima que incendeia, a voz alterada
o choro desmedido e o grito infernal que
calara de uma vez.