Passeio Astral

Tarde de calor intenso,

Sufoco-me dentro de casa,

Suor em abundância...

Retiro-me, descubro o jardim

E me sento à mesinha

Debaixo de frondosa árvore.

Brisa fina acaricia-me o rosto,

Meu pensamento navega no sonho...

Meu olhar só enxerga a reflexão

Que a mente põe em órbita...

Sentado numa compostura nobre,

Apoio o queixo às mãos

E viajo numa asa-delta imaginada,

Singrando os ares e penetrando

Dimensões insondáveis do intelecto...

Êxtase sancionado pela vontade

De ver-me executor de sonhos impalpáveis,

Mas perfeitamente cabíveis à razão...

Vou em busca das idealizações

Que me produzo circunstancialmente

Todos os dias e me vejo carregado

Por uma força estranha, totalmente

Alheia ao meu comando...

Neste instante estou nas alturas,

Contudo me acanho em vislumbrar abaixo...

Estou cercado por nuvens densas,

A visão obliterada por um ar rarefeito,

Os tímpanos meio febris,

Sacolejados por fortes explosões

Numa travessia curta,

Porém condicionada à aparência

De um tempo disforme e longo...

Finalmente deixo para trás tais sentidos

E me desvendo numa paisagem nova,

Desconhecida dos meus talentos...

Agora já me permito à ótica inferior

E o mundo se coloca à disposição

Para que eu pesquise meus devaneios...

Tudo consigo olhar sem obstáculos.

As respostas mais ousadas,

Tenho-as diante de mim...

Nada me escapa, apreendo em detalhes

Os pergaminhos da vida, leio-os

E compreendo o porquê das distâncias,

As razões das ausências, os motivos

Que afastam dos meus planos

As realizações mais urgentes...

Os seres dos quais gostaria contemplar

Se mostram inefáveis à minha conquista,

Dispersam-se envergonhados da minha presença

E se acoplam em labirintos escuros,

Intocáveis aos meus sonhos...

Percebo-me meio perdido e confuso,

Noto estrelas que não sorriem,

Fecham-se numa fisionomia grave

Como se estivessem a expulsar-me

De um território momentaneamente invadido...

Descubro-me intruso de uma peripécia

Talvez não aprovada pelo infinito...

Levo as mãos à boca para não gritar

E dos olhos caem lágrimas pungentes...

Retrocedo, tento o caminho de volta

E sou empurrado por brusco magnetismo

Que me devolve às nuvens densas...

Como que bailando no espaço,

Avisto-me nos degraus da descida

E logo retomo a consciência material...

Perante o ego reconheço-me interlocutor

Implacável dos quesitos que me levaram

A tão conturbada jornada...

Não a pedi... Não a roguei... Nem a pensei...

Chegou-me de forma sorrateira,

Todavia em meu íntimo ressabiado

Perpetuam-se os frutos das minhas interrogações...

A partir do já tenho de remodelar conceitos

E esperar da existência a concretização de sua vontade!

Ivan Melo
Enviado por Ivan Melo em 20/04/2014
Código do texto: T4775500
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