Relicarium
De quem é a culpa, não importa mais
Importa que quem tem olhos, faz vista grossa
Quem tem voz, se cala
Quem tem braços, os cruza e recusa todos os abraços
Quem tem mãos, faz questão de atá-las
faz questão de recolhê-las e as enfiar no bolso enquanto anda
Quem tem pés, os põe pra cima como quem não quer nada
Quem é capaz de pensar, se fez ignorante
se fez de estúpido, direcionou a mente à idiotice
Quem tem alma, se priva de sentir
se priva de tocar a alma do outro
se priva de viver os jardins floridos da vida
porque disseram que isso é coisa de gente estranha
Quem ama, emudece a urgência e se fecha
manda o amor embora, como se ele fosse ruim
porque imbecis por aí dizem que ele é um monstro
E quem é paixão, vive de se esfriar com baldes de gelo
como se isso fosse bom
Quem é, diz que não é
Quem não é, diz que é
E tem os que nem sabem do que eu estou falando
Frieza não é a minha pátria
E eu me recuso a acreditar que deva ser
Me recuso à crer num mundo onde olhares emudecem
onde as iris não brilham
e olhos não conversam
Me recuso à crer na extinção das longas cartas de amor
Não aceito essa falta de "bom dia" no meio da rua
E tão pouco aceito o fato de as gentilezas
serem recebidas com torcidas de nariz
e caras de estranheza
"O mundo está ao contrário e ninguém reparou"
Ninguém noticiou
Ninguém reverteu a estranheza
Fizeram um relicário de tudo o que é certo
De quem é a culpa não importa mais
Importa quem vai sujar as mãos e braços
recolhendo destroços e distribuindo abraços
Importa quem vai se atrever à viver ao contrário
à olhar para tudo aquilo que faz os outros virarem as costas
Importa quem vai transmitir paixão com os olhos
Importa quem vai transbordar a alma e jorrar vida
Importa que o amor é um movimento
Importa que o amor tem vida própria
E que até quem não o quer, não consegue recusá-lo.