Ser

Agora sou.

Antes, divido em dois padecia

Até que fecundo tornaram-me

E vida eu tive

Depois disso passei a ver dois pêndulos

Conviver com dois pêndulos

Alegre eu estava, por ter vida

Triste eu me via, por presenciar

A morte de tantos aos quais eu pertencia.

Os dias, os longos e escuros dias

Maiores eram

Sentia partes de mim partindo

Pedaços que parecia querer se soltar

Incrível, tomavam formas

Sentia-me gente, ou quase

Palavras ouvia, carícias sentia

Mulher!... Homem!...

Embevecidos com minha intra-vida

Quando ao som de um estalo

No espreguiçar dos músculos

Meu leito esvaziou-se

E a uma força estranha

Expurgado fui do meu mundo

Gritos ouvi, dor eu senti,

Mãos me puxavam

Não mais respirava, não enxergava

O mundo novo fez-me a primeira carícia

Berrei aos quatro cantos

A saudade do meu lar

Meus dias escuros

Viraram noites claras

Finalmente um ser pleno eu seria

Corpo feito, mente sã

Um tudo a descobrir

Solto da corda que me atrelava

À antiga vida

Livre eu era

Para morrer.