Jazigo e Renascimento

Acho que te reconheço agora, ó Vazio carrasco,

Esquife frio de outonais e insurretos esquecimentos.

Com olhos hirtos de luz toldada no escuro espaço

Ou com o coração de flores sob o pêndulo do Tempo.

Se fosse outra a pungente vida e a ininteligível paixão,

Quem sabe falecesse o céu diante de todo o nosso sofrimento,

E a lembrança triste do relógio com a morte em comunhão

Ecoasse em nosso seio alguma melodia de esperança e redenção.

Mas os teus olhos estão fechados a todo irrevogável momento,

Em que tu já foste feliz na beira daquele riacho abandonado.

A imagem de teu sonho antigo jaz ainda em teu olhar afundado,

E o reflexo de quem tu nunca serás é a caricatura de teus tormentos.

Tantos risos e alegrias que a qualquer instante são soterradas!

Tantas lutas e vitórias almejadas, desbravadas e conquistadas.

Todo esse fulgor adamantino do HOJE que enche o nosso olhar

Com esta vontade de viver, mas uma mera brisa pode o fogo apagar.

Mas para onde caminhar tanto se somos apenas moléculas do passado?

E nos teus cabelos rola como gotas de um chuveiro o Tempo alvejado.

Qual o sentido em descobrir o mito das carnes lavradas pelo Tempo

Ou de cantar as flores quando do céu sopram as forças desse Vento?

No silêncio, pois, os olhos cansados refazem o longo exílio dos prantos...

Nós fomos e os desejos são grãos esquecidos no seio da fecunda terra.

E, quando agora, ao olhar a chuva batizar tuas feridas e teus recantos,

Direi: nós somos, como pássaros nascidos no fogo da noite e da guerra.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 14/01/2021
Reeditado em 14/01/2021
Código do texto: T7159809
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.