Nhá Joana, 1883

I.

Tenho a calçada sob meus sapatos

E a poeira que carrego é a mesma

Dos tempos que habitam em mim.

Rua das Violas, 1883.

O sobrado resiste em suas ruínas

Mil Oitocentos e oitenta e três.

E uma escada escura em caracol

Me conduz lá em cima a Nhá Joana:

- Tome meu filho, acenda a chama

Vai ter com teus iguais, com teus iguais!

- Minha mãe, é muito pra mim, eu disse!

Súbito, congelam-me as mãos e ainda

Ouço cantos em volta, acima e abaixo

E ainda vejo, mas já não enxergo

Aquelas luzes pelos céus, caminhos...

Caio em transe, adormeço.

II.

Súbito

Olham-me dos cafés, dos boticários

Como se me conhecessem, ou ainda,

Como se desconfiassem de mim.

Queria dizê-los imensamente o que sinto.

Levar este senhor, este que me olha

Pela profundidade de seu espanto,

Tomá-lo pelo braço num rapto relâmpago

E contá-lo minhas saudades vazias,

Minhas canções inacabadas

Os amores que tive sem futuro.

Contá-lo dos que me são companhia:

- João, Laurinda, Assis, Nabuco;

Falar dos mortos com os quais converso

Nos epitáfios, nas letras e nos sonhos.

E falar por fim de Nhá Joana.

Para o leitor inadvertido

Há na Rua das Violas

Portão de Madeira, frontão rosado,

Sobrado frondoso e sóbrio

Com jibóias e flor-de-laranjeira

(Parece-me em tudo conservado)

Lá é possível ainda transcender

E ter com Nhá Joana a maior,

A jornada fatal da existência.

Não esquece: - Rua das Violas

Entre folhas enxerga-se o número:

- Mil Oitocentos e Oitenta e Três.

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@edu.cassilhas