concreto

o poeta desce do 25° andar

de galochas, sunga e casaco

onde guarda a ferramenta

provavelmente enferrujada

são vários anos sem uso

tem a intenção de esquecê-la

sob a areia da praia

atravessa calmo a avenida

dia sem sol de semana

praia de gente deserta

senta-se com seus apetrechos

começa a ler o Tolstoi

a imagem que logo constrói

de si mesmo chama a atenção

de dois jovens bem abusados

um deles de faca na mão

e cheio de intimidação

que não assusta o poeta

que vale-se da gaivota

para apanhar o brinquedo

pois ela voara tão perto

que, parecendo um folguedo,

os dois jovens se distraíram

um caiu ali mesmo

o corpo ensangüentado

não se ouviram estampidos

o outro fugiu assustado

os olhos espavoridos

areia escondendo o brinquedo

poeta saindo com calma

deixando as galochas e o livro

casaco cobrindo o menino

seria mesmo ele um poeta

ou somente um assassino?

Rio, 19/11/2006