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Que nunca terminava; havia mais;

Escorpiões, lacraias e serpentes,

Uns monstros, umas bestas diferentes –

Nem Dante registrou em seus anais...

 

Via a Medusa e Aracne tecendo,

E todos os Titãs aprisionados,

E ogros, lobisomens pelos lados,

Centauros e Ciclopes só comendo

 

As almas dos danados – sem piedade,

Havia também corvos, ratazanas,

As bestas escarlates – as insanas

Irmãs Luxúria e a Promiscuidade...

 

Ao reparar às árvores melhor

Eu vi que tinham rostos – sofrimento –

Um minotauro olhou-me num momento:

“É conhecido aqui: ‘Vale da dor’

 

Às árvores que vês são suicidas;

Os frutos,que elas dão? – são esperança

Que as harpias comem com ganância

Tornando-as mais vazias e feridas”

 

Fui perceber depois qu’esse caminho

Só era o quê? Desgraça e nada mais.

Corri dali, sem nem olhar pra trás

Não mais queria esse amargo vinho...

 

Mas tinha que beber – do mesmo jeito

O líquido bem rubro, escuro, espesso,

Virava o meu estômago ao avesso,

E uma queimação subia ao peito...

 

Que vinho aquele – negro absinto

Chorei amargamente pelo esforço –

Assim com’uma amante ao seu comborço –,

Repugnante gosto qu’inda sinto...

Àquelas ilusões que vi outrora –

Tal como gelo ao sol, areia ao vento,

A mascara feliz, por trás, lamento,

Era um choro – um grito que apavora...

 

Perfura a alma aos poucos – toma conta

De todo corpo então – deixa um bagaço

As forças vão-se embora para o espaço...

E uma legião de demos que apronta...

 

Vi mais seres estranhos e fantásticos,

Gnomos, fadas, djins e potestades

Saci, caipora – seres sem idades –

E principados com seus rostos plásticos...

 

Os deuses gregos, deuses do Egito,

Dragões e o Anhangá e uma Sereia –

A quantidade era como a areia –,

Que eu tanto gostava – admito...

 

Mas vi depois que nada é inocente

Discernimento é tudo pra falácia,

Para a falange forte na audácia

Que buscam desviar então o crente...

 

Estava em desespero – em agonia

Atrás de mim somente escuridão

À minha frente vi um escorpião

E percebi que ele me seguia...

 

Mas ele tinha asas barulhentas

Sua aparência como gafanhoto

Estremecia qual um terremoto

Com rugidos, vozes odientas...

 

O rosto era de humano, os dentes não

Fiquei atordoado num momento

Quando um me disse assim: “Sou o Tormento

E nosso chefe chamo Apolião...”

 

(continua)

Gonçalves Reis
Enviado por Gonçalves Reis em 07/03/2008
Reeditado em 07/03/2008
Código do texto: T891777
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