Até que a noite chegue...

[uma foto sua]

Esta é você,

Mas você não sabe quem você é,

Essa um dia, uma hora, um minuto, por um átimo,

Foi você

Mas você hoje, agora, agora nesta hora que já passou,

Você não sabe,

Não tem a mínima idéia de quem você é,

Essa foi a pessoa que imaginei um dia,

Não você, você não,

Eu nunca imaginei você,

Não, você não é a pessoa que imaginei falar um dia,

Nunca, por mais clara que possam ser suas palavras,

Eu nunca vou me convencer,

Não por questão de birra,

Ou sei lá o quê,

Mas você, você que fala e me ver,

Estar muito longe,

Jamais vai poder ser

Aquela que imaginei um dia

Ao ver

Essa imagem a cima

Pensando em você,

O você que imaginei

Fui eu mesmo que criei

E posso muito bem discerni-lo

De qualquer imitação,

Você, você não é o você que imaginei,

Que moldei com minha imaginação...

Mas não se melindre,

Isto é apenas uma explicação,

De que você, você não é você,

Carrego você comigo,

Vai no meu coração

E andamos e contamos estórias de ocasião

Mentimos, somos uma invenção,

Eu imaginei você,

E você imaginada me imagina na minha imaginação,

E corremos pelos campos que quase já não existem mais,

(Morreram os discípulos de Bocage por falta de donzelas

E campos, e hoje nem um poeta canta para elas...)

Mas andamos

O que importa a esterilidade da terra

Quando se tem a coragem de imaginar

Que sobre o deserto há um rio

E á beira do rio um velho a pensar?

E nós, digo, você imaginada,

E eu pela imaginada-voce imaginado

Nós deslizamos no olhar daquele ancião

E adentramos seu pensamento

Encontramos do que tem medo,

Partilhamos de suas emoções

Vemos o tempo intervalar

Em que ele existiu

E experimentamos de todas as suas paixões

Seus crimes

Aqueles em que apenas fez pensar

Nós em seu mundo,

Donos dele agora,

Brincamos nesse universo freudiano

E matamos se ele sentiu vontade de matar

E nos suicidamos quando ele quis se suicidar

E nos amamos na mesma agonia

E brutalidade que esse senhor

Um dia desejou amar...

Enrolamos-nos nos seus desejos

Vasculhamos seus piores pesadelos

E lutamos com seus monstros,

Com aquilo que o fez à beira do rio

Ver, parar, pensar, sentar e fluir,

Nós sabemos de tudo

Não há nada que possa nos deter

Nada que não possamos desvendar

E vemos seus primeiros amores

Como foi toda sua vida

A vida dele nós vivemos, e sofremos também...

Porém, mas depois saímos,

Deslizando no raio do seu olhar

A caminho de um horizonte infinito

Para onde ele se perde,

Para onde ele não cansa de mirar...

Eu

E

Você

Mas não você, você mesma, você sabe de quem estou a falar,

Falo da pessoa que nasceu em meu ser

Quando em você meus olhos,

Como as aves oceânicas e perdidas,

Sobrevoando o extraviado,

Inexistente Mar do inconsciente azul dalínico,

Pousaram com longas, araquinídeas

E elefânticas pernas sobre estranho ser etéreo

Dir-se-ia um eu, de mim em qualquer lugar...

Falo da pessoa que surgiu ao meu lado

Quando em você um outro Ser,

Magnânimo de meu coração,

Os seus olhos flamejantes,

Como aves de envergaduras infindas,

Aves diáfanas, de vôo em rumo mágico

Foram capazes de cativar...

Falo da pessoa que de repente

Mas sem sustos me apareceu também e

Que veio para me encantar,

E cantar cantos de sereias

E dizer que a solidão não é vazia

E dizer que se não fosse o dia

Como poderíamos resistir a escuridão?

Ah, são belos cantos que encontramos

Na lança do olhar daquele velho

Agora à beira-mar

A olhar de um despenhadeiro,

E imaginar

Em quantos pedaços vai se partir o seu corpo

Se dali ele se jogar...

Será que ficará na água

Alguma mancha do meu sangue?

(É ele a pensar...)

Será?

O velho poderia está louco,

Mas ele por nós jamais saberia disso,

Nem o que isso é,

Insanos somos nós, com todo direito de sermos,

Insanos, pense o que quiser,

Digo você, mas não você mesma, você sabe,

E eu, eu que não você mesma imaginou,

E que faz eu, não eu mesmo, existir,

Enquanto você puder imaginar,

Loucos diriam que somos nós

E nos execrariam, mas não nos importamos,

Somos nossa própria exiliação,

E se não nos entendem,

Que nossa loucura seja nossa cura

E sejamos o que acham, loucos,

Mas principalmente companheiros

Em nossa forma de viver

E de sonhar, e investiguemos-nos,

Passemos-nos as mãos pelo rosto

E pelo corpo para ver se não sonhamos

Pois pode ser que não saibamos mais

Onde termina ou começa a realidade

E por isso corremos grande riscos de nos perdemos

Por esses lugares que tu e eu juntos

Podemos arquitetar,

Somos... eu não sei dizer...

Sejamos os loucos então,

Somos loucos, o louco é aquele que não se pode entender,

Somos loucos

Que voamos pelos intramundos

Dos seres de toda espécie de matéria

Orgânica ou não

Vegetal, animal, ou mineral,

Não importa,

Nós certa vez

Nadamos, você não vai se lembrar,

Mas nadamos no chão literalmente

Como se o chão fosse o mar

Nos molhamos com o húmus da terra,

No húmus de todas as coisas,

E estávamos no quintal de casa

E na nossa casa nem parede existia,

Mas o quintal era o mundo

E o mundo era o que se refletia no teu olhar,

O que eu via através dele,

Ah, você não vai se lembrar!

Mas mergulhamos prazerosamente

Em bocas e bocas de vulcões

Uns adormecidos, outros enfurecidos,

Nada podia nos parar.

Adentramos através de suas veias e artérias

E conhecemos Os segredos da Terra

Éramos como os abissais das profundezas do mar

A fatiar o magma viscoso a temperaturas indescritíveis

A encontrar beleza onde ninguém podia imaginar...

Eu vi você, sua matéria etérea no fogo se desfazendo,

E você também de mim não tirava o olhar,

Até nos formarmos apenas consciências

E sermos mais leve que o mais leve ar...

E tudo isso para nós

Era bom,

Era bom...

Mas essa que eu vejo

Não é você,

Você é aquela que nasceu

De uma minha necessidade,

Precisão essa que não sei aclarar,

Mas que sinto aqui dentro,

Nas profundezas intermináveis do meu ser,

Como fogo que queima com fúria,

E mais queima quando não há mais nada para queimar!

E eu poderia tentar te dizer

O que é isto,

Isto além do mais além dos mais nebulosos quereres...

Mas, o Silêncio daquele velho

Se derrama sobre os mundos

E acalma todo o mar,

E agonia que sinto

As dores que me dão abrasadoras ganas

De gritar, bradar tonitruantemente

Com a força afora de minha capacidade de se comunicar,

Gritar de forma tão estridente

Que meu grito o mundo inteiro acordaria

E criaria novas estrelas, e universos inteiros...

Ou em mundos inteiros me desfazer,

Deixar de me ser,

Sair dessa prisão em que estou,

A limitação que sou,

E as vontades que tenho,

Inclusive de a ti me revelar,

Não a você, você mesma,

Você não poderia suportar...

Mas aquela que imaginei

Que concebo

Quando me transformo em verbo,

No velho que silencia o Mar,

A vontade também em mim

Se aquieta

Por que tenho a quem participar

Com quem partilhar...

E eu, como uma gota de sangue alastrada

Em superfície de misterioso mar,

Matizo-me, não que eu queira,

Deixo o pensamento me levar

E vejo como transmutado

Alguém me desfazendo em raios avermelhados

De um sol distante que resiste ainda

Tenaz e brando

Até que a noite chegue

E faça-o dormir,

E faça dormir

A mente

De quem nem morto

Deixa de sonhar...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 20/03/2008
Reeditado em 21/03/2008
Código do texto: T909693
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.