Dê-me um abraço...
(O caminho bifurcado)
No cair da noite
À tardinha
Pela estrada pensando eu vinha
Nem reparei
Mas no horizonte
As nuvens decaiam
Quando numa encruzilhada me encontrei
Olhei para minha esquerda
Para minha direita também olhei
Levei as duas mãos ao rosto
Estático estava estático fiquei.
As mãos escorregaram sobre o meu rosto
As mãos sobre os braços eu passei
Certifiquei-me de que não sonhava
De que não sonhava eu me certifiquei
Quando olhei
Sob as nuvens plúmbeas
Alguém, não sei bem dizer,
Estava longe, estava meio escuro,
Era tarde
Era cedo
Não sei dizer
Eu pensei
É uma idéia, não sei dizer,
Mas parecia uma pessoa
Sei lá
Era tarde
Era cedo
Não sei
Que parecia me acenar...
Fechei os olhos, talvez sonhasse,
Todavia ao abri-los
Aquele que estava longe
Estava perto
Estendia-me a mão
Querendo na minha mão pegar...
Era uma hora morna,
O ser que de mim se admirava
Como se olhasse alguém
Que a muito não via
Tinha o rosto derretido
Como se de lagrimas fosse
Toda sua matéria a sustentar
Seus músculos faciais
O ser, que era sombra à distância
Continuava a ser
O que não se pode descrever...
Não sei por quê
Estendi-lhe a mão
Estava só
Que mal faria?
E no toque táctil eu pude sentir
Que ele, apesar de eu nunca tê-lo visto,
De alguma maneira
Havia dentro do âmago do meu ser
Alguma lembrança sua
Essas coisas acontecem
Sem que ninguém explique
Ou mesmo venha relatar
Mas o ser que ali estava
Aprazia-me
E também
Fazia-me gélida a alma ficar...
As sombras não me deixavam
Ver com exatidão
Toda expressão daquele ser
Que estendia a mim grande atenção
E uns murmúrios passei a ouvir
Como se uma língua antiga ele falasse
Guturalmente se expressasse
Esforcei-me para compreender
Mas naquele momento eu nada entendia
Percebi então
Que sua tentativa de expressão
Era um seu esforço para se comunicar
Como se o desespero que estava em mim
Também o assomasse
E ele parecia demonstrar
Que não tinha muito tempo
E por isso se apressava em falar
No entanto longos murmúrios ouvir
E fui treinando os ouvidos
Até que a partir de certo momento
Alguma coisa entendi
Mas cai sete vezes
Em sete abismos
Quando a palavra fatal compreendi!
Filho! Filho! Filho!
Que era isso?
Milhares de facas
Mais violentas que as das brigas nordestinas
No meu coração dançavam
E a dor que sentir
É de impossível descrição
Aquele ser que me apareceu de forma inexplicável
Dentro de uma realidade sem explicação
Um ser morno e etéreo
Com rosto em infeliz confusão
Chamando-me de filho
Naquela vazia hora
Num lugar de céu sem dia e sem noite
Sem sol e sem lua
Como se fosse normal a escuridão!!!
Filho!
Ele dizia em sua guturalização
Era claro a dor que sentia
Ao expressar qualquer coisa
Com sua garganta que não se definia...
Filho!
Eu sou seu pai
Não tive tempo de que me conhecesse
Pois que ainda enquanto engatinhasse
Quis o curso das coisas que eu morresse
Mas porem estou aqui
E vim em fim te falar
Que não se culpe de ser tão só
Eu estou sempre a te acompanhar
Sou seu amigo
E por ti sempre vou prezar
Não temas filho...
Olhei nos turvos olhos seus
E procurei tentar reconhecer
Aquele que me falava
Mas não pude admitir
Que aquele que estava ali
Fosse quem dizia ser
O meu pai
Aquele que não cheguei a conhecer!
Eu disse então,
Amigo
Posto que diga meu pai ser,
Ouça então o que posso vos dizer,
Se fores mesmo quem diz que foste
Posto que não possas existir
Digo que muitas vezes pensei em você
E em como teria sido minha vida
Se vós não houvésseis de partir
Como dissestes
Quando eu não podia a vós perceber
De modo a formar qualquer recordo vosso
Por isso não posso conceber
Nem permitir
Que me chameis de filho
Isso eu não posso,
Sou filho do mundo
E do Ser que é creador nosso
Se tens alguma mágoa
Se te aflige qualquer culpa
Deixai-me, eis se o quereis, o meu perdão,
Vai-te, suma na sua escuridão,
Deixai no meu caminho,
E se isso é sonho,
Saí da minha mente
Deixai-me coisas boas sonhar
Não pedir esse encontro
Não pedir que viesse me encontrar
Não quero ser ingrato
Mas a sua presença nesta hora
Tanto tempo depois
Apenas me arrasa o coração
E nos coloca numa situação frustrante
Para nós dois...
Oh filho, que fiz eu para ouvir palavras tais?
A dor que sinto
Por não ter podido te acompanhar nem educar
É algo que está em mim
E que não sai jamais,
Dê-me um abraço,
Um abraço apenas,
Apenas isso e suma
Para nunca não importuna-lo nunca mais!
Largamos as mãos
Uma viscosidade estava-me entre os dedos
Enojado eu estava
Mas manti isso em segredo
E discutia interiormente
No rebuliço veloz da minha mente
Se concederia aquele que de meu pai se fazia
Um abraço apenas
Apenas um abraço
Para não vê-lo nunca mais...
Por fim
Ao ouvir ainda dizer
Que precisava sentir-me
Que era isso que o fazia a mim muitas vezes aparecer
Mas que não podia se manifestar
Porque temia muito me assustar
Visto que minha idade era amena
Prova de que me acompanhava
Desde criança muito pequena
Era que sabia de tudo que fizera
E que no seu estado
Até podia, se quisesse eu, dizer
Por uma questão de querer a mim provar
A autenticidade de quem era
Mesmo todas as coisas que cheguei a pensar
Coisas que pensei sem nem mesmo querer pensar
E assim
Ele foi relatando
E vi minha vida num painel se mostrando
E ainda mais abismado fiquei
Ao ver naquele painel
O dia, a hora, o minuto,
E a forma como me matei...
Não! Não! Não!
Que isso que me mostras,
Jamais se poderá fazer-me crer
Que não tenho mais peso
Que sou da mesma tua natureza
Estranho ser!
Afasta-te de mim, afastar!
Não vai convencer-me jamais
Que isso não é sonho nem um pesadelo
E que seja verdade a visão que me dais
Te vai-te
Deixa-me, deixa-me, deixa-me consumir a escuridão!
Não quero tua companhia
Não quero essa filosofia
Não quero crer em nada
Não pedir para ter nenhuma visão...!
O quadro do absurdo se fechou
Foi a única luz que vi naquele lugar
Minhas energias não podia durar mais
E escorreguei até o chão
E mordi braços e pernas
E quebrei ossos
E arranquei lábios e cabelos
Enquanto o se olhava tudo com mansidão
Estava eu de olhos fechados
E esperava que não tivesse mais ali
Aquele que aos poucos de mim se aproximara
Numa hora morna
À temperatura encharcada
Quando indeciso encontrei as vias
Estranhas como num fim de uma estrada
As bifurcações
Que davam continuação
A vida que na verdade já se tinha acabada...
Depois de muito tempo
Anos podem ter decorrido
Pois que o tempo ali se mostrou logo
Feito de outra maneira
Eu já não tinha mais carne
Desfiei-me às aves de rapina
Que eram que formavam as nuvens negras
Sobre nós
Que havia percebido eu
Ao chegar, ou ser levado, atraído a tal lugar...
Anos fiquei sem ver
Meus olhos vazaram
E nem eu podia mais entender
No que transformara
A aproximação de aquele ser...
Por fim
Podia senti-lo
Ver é uma questão de ilusão,
E mais
Sem que falasse podia ouvi-lo
Ou saber
O que ele quisera de mim
E que não me deixara esquecer
Um abraço apenas
Um abraço e nada mais
Era tudo que pedia
Para ir pra nunca mais!
Não tinha mais língua
Nem garganta nem nada,
Mas aprendi a gemer também
Os grunhidos guturais
Que me fizeram tremer
Ao encontrar esse que se diz
Ter sido um dos meus pais...
Que se consuma vosso desejo
Oh ser dos poços infernais
Abrace-me para que fique só
E não o sinta nunca mais...
Dito isso
Como relâmpago rachado a noite escura
Entrou-me a tal figura
E abrasou-me os restos mortais
E então flutuava eu
Como se feito de nada
Dormindo em profundo sono
Eis que eu sonhava
Que tudo aquilo era um sonho
E que aquele ser apenas me enganava
Mas no âmago sabia eu
Que tudo que vira e experimentara
Nas horas intersticiais da estranha madrugada
Acontecera
E que em lugar indefinido me encontrara
Por quê
Pelas próprias mãos eu morrera...