SENDAS IBÉRICAS
 
 
Há vários séculos, Bashô o maior haijin de todos os tempos, escreveu a maravilhosa obra Sendas de Oku, em que descreve, através de haikais, a viagem que fez por belíssimas regiões do Japão.
 
Inspirado em sua saga e, é lógico, sem o mesmo brilhantismo, escrevi estas Sendas Ibéricas, em que relato os momentos mais marcantes da viagem que fiz a Portugal e Espanha, com o apoio da Universidade de Passo Fundo e da Universidade de Santiago de Compostela, em 2011, através de 39 poetrix.
 
 
MEDO DE AVIÃO
 
longa jornada
sobre o oceano
:o medo por companheiro
 
 
ALFÂNDEGA
 
terra estrangeira
peço permissão
para cruzar invisíveis fronteiras
 
 
MEU LAR
 
planeta repartido
para cruzar um rio
preciso de visto
 
 
MERIDIANO
 
horários con/fusos
o sol se move
rápido como uma nave
 
 
QUEM TEM BOCA
 
vi, vim, Vigo
viajo de autobus
distante de casa
 
 
POLÍCIA PARA QUEM PRECISA
 
mala revistada
a droga encontrada
meus livros
 
 
BABEL
 
idiomas se misturam
desconheço
a minha língua
 
 
CURTA CORRIDA
 
tão fácil se irrita
o motorista atira
minha bagagem ao chão
 
 
GALÍCIA
 
toco o solo galego
o sol tarda a nascer
de noite ainda é cedo
 
 
CAMPO DE ESTRELAS
 
após viajar um dia
nas terras de São Tiago
encontro o profeta Elias
 
 
RESIDÊNCIA UNIVERSITÁRIA
 
residência temporária
branco quarto limpo
cheirando a tinta
 
 
CEIA
 
primeira refeição
sopa, ovos, suco
café, queijo, pão
 
 
RELÓGIO
 
noite insone
as horas passam
outra fome
 
 
PEREGRINO
 
por companhia, o céu
mapas turísticos
guias de papel
 
 
NO MEIO DO CAMINHO
 
piso as pedras da rua
lembro de outro centro
histórico onde nasci
 
 
LONGA JORNADA
 
sim, sou peregrino
a caminhada começou
quando eu era pequenino
 
 
SANTIAGO
 
ergue-se a catedral
ponte de energia
entre a terra e o astral
 
 
PAI-NOSSO
 
ouço a oração
chuvas inundam-me
choro de emoção
 
 
DIVAGO
 
vago pelas ruas
tão longe de casa
estou mesmo aqui?
 
 
SINAIS
 
brilha uma luz
aonde jaz
o apóstolo de Jesus
 
 
PRECIPÍCIO
 
Finisterra
aqui o mundo se acaba?
ou aqui ele começa?
 
 
INCENSÓRIO
 
pendula o botafumeiro
incenso nas almas
dos estrangeiros
 
 
JAMES
 
devotos tocam o santo –
ele tocou antes
seus corações
 
 
O x DA QUESTÃO
 
com “xeísmo”
“xega” o poetrix
na Galícia
 
 
AGRADAR A GALEGOS E BAIANOS
 
longe da Bahia
percorro os caminhos
dos antigos imigrantes
 
 
 
A CORUÑA
 
na cidade de cristal
a torre de Hércules
mira o Atlântico
 
 
BARCELONA
 
parto, feliz
Gaudí me faz
cruzar o país
 
 
SAGRADA FAMÍLIA
 
trindade perfeita
triângulo divino
três sagrado
 
 
APORTANDO
 
chego em Porto
recorda-me Portugal
a terra natal
 
 
ALMINHAS
 
tragédia ou assassinato?
ante a dúvida
silenciosa oração
 
 
SENHOR DE DOIS MUNDOS
 
em plena praça
D. Pedro saúda:
velhos conhecidos
 
 
INCONFIDENTE
 
depois de Outro Preto
reencontro Tomás Gonzaga
em outra casa
 
 
NAVEGANTE
 
o poetrix aporta
sua nau em praias lusas:
novas conquistas
 
 
 
VILA NOVA DE GAIA
 
capela singela
rocha sagrada
lar de divindades
 
 
O VATE
 
visito Lisboa
pelas ruas sigo
os passos de Pessoa
 
 
NA CASA DE FERNANDO
 
subo as escadas
toco nos móveis
sinto-me em casa
 
 
TÚMULO DE SARAMAGO
 
sobre as cinzas
uma rosa vermelha
efêmera, como a vida
 
 
SINTRA
 
quinta da Regaleira
sítio mítico
fortuna afortunada de um homem
 
 
RETORNO
 
volto ao Brasil
a mala cheia
de amizades e saudades