O amor incinerado

É quando me atiro à luz da cena, qual palhaço equivocado quanto ao palco, que vejo lá embaixo, encolhida, minha sobra fugitiva.

Público, a um tempo vago, a um tempo furioso, é em teus braços que atiro partes do meus corpo dançante, como prova de boa fé e reverência.

Palhaço não tem outra sina senão a ilusão, outra esperança senão o encantamento de um instante brilhoso. Ainda que brilhoso seja o colar de pedras falsas da Maria Antonieta no fundo do palco, ou o sorriso do mestre-regente, que tenta conduzir esta pantomima estranhíssima.

Em teu rosoto redondo e sombreado, que divisei em meio ao público mais dramático que eu, pude ver que a verdade sempre esteve ao lado do palhaço. E que, não sendo feliz nem triste de verdade, sei que gênio também não sou. Então resta o burocrático ofício de mover-me e falar com uma boca e uma voz que não são minhas, perseguindo tuas tão brancas mãos, e teu sorriso que poucas vezes vi na vida.

Declaração de amor de palhaço não tem validade nesta vida. Vamos tentar em outra. Mas o que se sabe é que embaixo de minha pintura esmerada e espalhafatosa há um rosto que hoje desconheço. Mas e abaixo de tua pele?

Seja a noite a narcose para os sentidos. E as estrelas uma eterna comprovação da gravidade, aparecendo pelas frestas deste circo com lonas vermelhas. Seja o aplauso um fardo a carregar pela vida e noite adentro. Seja a luz que cai sobre minha cabeça um castigo pelo meu recolhimento, e este escrito uma punição à minha falta de romantismo.

Isso porque a vida não perdoa a quam não ama, e a quem não tem maiores aspirações que a de causar feridas em outro coração irritado e primário.

Minhas orações são em forma de suspiro.

E vi minha alma um dia presa a algo que não tendo forma nem cor, ainda assim, fez o relógio parar e as crianças calarem a boca. Porque o que aprisiona e o que mata de verdade, não é o punhal, o veneno ou o projétil que atravessa o peito. E sim uma intenção.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 23/05/2008
Código do texto: T1001922