O LOBO SOLITÁRIO

Fizemos hoje, cada um por vez,
Uma declaração de amor mútuo.
A conseqüência do recente fato,
A pura ironia do impensado ato,
Foi tratar-se de uma despedida.
Combinado, então, por nós ficou,
Que não mais a mim procurarias,
Enquanto a ti, também, me esqueceria.
Penso ser um animal bravo e ferido,
A um lobo solitário é ao que me assemelho.
O lobo da estepe, encarnado em Hess,
Que não soube e não quis deixar-se amado.
O lobo de Áquila, o do feitiço encantado,
Que viu transformada em um falcão a amada,
Que viveria explorando os céus, à luz do dia,
Para à noite, novamente, transformar-se mulher.
Enquanto eu, em lobo negro, correria no crepúsculo,
Por entre os bosques, para ser de novo homem,
Ao surgir dos primeiros raios da manhã.
A figura do triste cavaleiro, Dom Quixote,
Que escolheu as batalhas perdidas para lutar,
Não me seria indevida, pois a vitória era a conquista,
Que nenhuma Dulcinéia aceitou apadrinhar.
Cômico e trágico seria, marginalizado, virar Pixote.
Faço em noite de chuva, raridade nessa estação,
Uma reza, uma oferenda ao meu guia Xamã,
Para sobreviver no deserto da paixão.
Entrego o corpo e a alma para o lobo habitar,
Na aridez inóspita da rejeição.
Quero dele o mais puro e indomável instinto,
Para não me atormentar com a solidão.
Quero, para isso, ser feroz e astuto,
Para abater a presa, minha caça,
Sem compaixão ou remorso.
Sair fortalecido e saciado,
Deixando em meu rastro o sangue,
Apenas carcaças e bagaços,
Vidas dilaceradas, porém, não em vão.
Não é maldade,... não!
É apenas sobrevivência!...
Uivo para o amor em sua falência.


                                             
Em alguns momentos/ 2006-07