Canto do desencanto

quem abraça os insensatos

nessa língua morta, explicitamente lógica?

os tapa buracos que ridiculamente caminham

qual Vênus em noite de pompa?

o morno diálogo dos refinados,

que tem pés de pavão e rabo enfeitado

sem a valia dos apaixonados?

é no barro amassado do peito que agoniza,

onde o farfalhar de asas ameaça

e o chão da estupidez seca lágrimas rotas,

que brotam estrelas radiantes

sem aplausos, sem honra de ourivesaria

iluminada sem candeias por luas pálidas

atravessadas de horas amargas.

não é preciso cortinas nem púlpito,

só um fiapo de ilusão, amarelada de esperança,

para ganhar encanto na boca sem riso,

canto sem juízo vestido de criança.

é só descompasso que não cabe no peito

calor e frio sem explicação,

água que queima no leito do rio

ou riacho que cabe na palma da mão.

não conhece o caminho da felicidade

quem nunca escreveu uma jura,

quem não rasgou o ventre de agonia

ou não experimentou uma doída saudade.

não sabe mesmo o que é ternura,

quem só arrota filosofia

sem ter calçado nos dias a simplicidade.

morre sem afago o canto gago

no açoite da cruel indiferença;

quatro cantos vazios na mesma sentença,

arte sem arreios que bóia na solidão do lago,

canto de sonho marginal, divina crença

porque nasce pura, cresce bruta

sem aparato mascarado,

beija a pele, balança ao vento, cavalga sem cela

desencanto açucarado

amadurecendo feito fruta,

com o olhar penso por uma janela...

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 24/01/2006
Código do texto: T103054
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