O Gato e a Maria Tricoteira e Descuidada

Primeira Página:

A história que vou contar nem eu sei se aconteceu. Mas prá não dizerem que não falei de gatos...

Numa belo dia de verão estava eu, na santa paz das marias, tricotando e saboreando um livro, desses de belas figuras e pensamentos. E absorta, só de relance vi - mas aí já era tarde demais -, um gato malvado a invadir como águia rapineira, meu cantinho de reflexão e descanso, e arrancar de mim, o novelo de lã dourada, que segurava em minhas mãos e com o qual desejava tricotar algo para os dias mais frios.

Naquela corrida e ânsia desembalada, o gato se embrulhou em meus fios de lã dourada, de tal maneira, que era difícil achar qualquer uma das duas coisas, o fio e o gato. Nem mesmo o gato conseguia ver no meio de tanta linha de fio. E corre de cá, corre de lá, fiquei eu toda enrolada também.

E olhe que nem vi o gato. Até hoje não sei sua cor. Se era preto, amarelo ou branco. Tentei de tudo que é jeito descobrir, mas não teve jeito. Mas isso não vem ao caso agora, já que o problema era o gato se livrar do fio e eu me livrar do gato.

Tentei de tudo que é jeito enrolar o fio, mas cada vez que a bola de fios e gato chegava perto de minhas mãos, ele afiava as lâminas prateadas de suas unhas e tentava me arranhar. E olha que conseguiu. As marcas existem até hoje para comprovar. Quando conseguia me dar uma unhada - que suas unhas era a única coisa que ainda podia ver do gato -, se armava de forças e partia em desenfreada corrida. E lá se ia o meu fio novamente, cada vez mais preso ao gato.

Foram horas e horas de tentativas. Tentava conversar, ser doce, amiga, mas ele nem aí. E amigo, disse que não queria ser. Onde é que já se viu um gato amigo de uma Maria de novelo de lã dourada?

E assim, estávamos, o gato enrolado no fio, eu enrolada no gato.

Explicava que não ia lhe fazer mal, só queria ajudá-lo a sair dali, daquele rolo de fios. Mas o gato não entendia minha linguagem.

Pensei que talvez fosse alemão. Como só falo italiano, nunca que iríamos nos entender. E assim foi. Ele também falava tão difícil que eu entendia tudo ao contrário.

Lá pelas tantas o gato, decerto já encantado com o fio de lã, ou pensando que era o dono, se envaretou de levá-lo com ele. E puxa daqui, puxa de lá, virou uma confusão que nem sabia mais prá que lado ir. Nem eu e nem o gato. Cada vez que eu puxava o fio, lá vinha o gato com ele. Quando achava que ia conseguir desembaraçá-lo, o gato me unhava e fugia. E cada vez que o gato fugia, lá ia eu, presa no fio.

Enfim, sem saber o que fazer, resolvi pedir ajuda de alguém que entendia de gatos, novelos de lã dourada e marias curiosas e descuidadas.

Tento entender o que aconteceu a partir daí, mas não tem jeito. E acho que nunca vai ter. Soube que o gato era bem uns 100 anos mais novinho do que imaginava e que seu nome era montanhês. Se escondia lá no fim do mundo, bem longe, e até hoje não sei como veio parar aqui.

Nesse puxa fio de lá, e puxa fio de cá, ficou o que sobrou. O gato se mandou, decerto todo escaldado, ouriçado, e meu novelo de lã ainda está todo arrebentado. Até hoje tento enrolar, mas não consigo achar todas as pontas e pedaços de fio. Não sei se algum, o malvado do gato, não levou junto, esse bandido!

E tem mais. Vocês não sabem da história o pior. Não é que o gato é tão bandido que levou o livro que Eu estava lendo só prá me castigar?

O livro desapareceu inteirinho sem que eu ao menos me desse conta. Quando fui procurá-lo prá ler no dia seguinte tinha sumido.

Hoje não sei onde anda o tal gato, nem se é preto, amarelo ou branco. Sei que se chama montanhês e gosta de livros e novelo de lã dourada. Mas um dia, nem que tiver 200 anos, ainda quero pegar esse gato! Ah, mas ele vai ver só.

Ele vai aprender a se enrolar por aí em novelos de lã dourada e dar unhadas em Marias tricoteiras e descuidadas! E vai devolver um a um os pedacinhos de fio que levou. Ah, isso vai!

E vocês, nem pensem em acreditar. Essa história só aconteceu do lado, do lado de lá. Lá onde o sol e a lua se encontram de vez em quando, quando o céu está propício. E bem fora do mundo, bem fora daqui!

E prá vocês eu confesso, mas o gato não pode saber. Apesar de estar toda arranhada ainda quero ser amiga do gato! Sabe por quê? Porque amigos são tesouros que a gente pode guardar dentro do coração. Mas sem pagar aluguel é claro! Ah, se pudéssemos ser amigos... Já pensou? Íamos passar o resto da vida rindo dessa confusão toda!

Segunda Página:

E não é que o gato ouviu falar por aí que eu o estava a procurar?

Tenho certeza que foi um de vocês que foi fofoquiar.

Mas ainda bem. Assim o gato ficou sabendo que não estava mais zangada com ele. E, acreditem vocês ou não, o gato apareceu.

Chegou assim meio tímido, meio com medo, mas enfim apareceu. Não assim de verdade, na minha frente, porque isso ele nunca vai fazer e nem eu. A gente se mataria se isso acontecesse. Vocês duvidam? Eu não !

Mas ele apareceu na mesma janela por onde tinha aparecido da outra vez. E pude vê-lo de longe. Ele também me viu, assim, de longe, bem longe. E sabem o que mais? Não, vocês não sabem não. Mas vou contar prá vocês. Claro que nem vão acreditar.

Não é que o gato é dourado? Inacreditável, mas é dourado. E por isso entendi porque ele queria tanto o meu fiozinho de lã dourada. Acho que o gato pensava que o meu fio de lã dourada era um dos fiozinhos dele. Claro, só devia ser isso. Ele nunca me disse assim, com todas as letras, que era isso, mas pensando bem, tenho certeza que era isso que o gato pensava.

Mas enfim, ele apareceu. E isso era o mais importante. Vi que o gato estava machucado pelos arranhões que ganhou naquele puxa prá cá, puxa prá lá, de novelo de lã dourada e Maria tricoteira e descuidada. Mas eu também estava toda arranhada e espero que ele tenha percebido.

Digo prá vocês, nunca na minha vida passei por uma situação dessas.

Imagina. Uma batalha sem trégua com um gato! E, ainda mais enrolados por um novelo de lã dourada? Que situação !

Claro que desta luta tremenda ficaram os restolhos de guerra, como dizem por aí. O gato não parecia mais o mesmo. Estava meio arrisco, sei lá. Parecia que tinha medo de se aproximar demais de mim. Talvez achasse que iria levar mais uma na cabeça.

Eu então, nem me fale. Também tinha fortes receios de chegar perto do gato. Até mais do que ele. Também, com uma unha tão afiada.

Já pensou? Ficar toda arranhada outra vez?

Mas enfim, resolvemos ser amigos.

Ah, estava esquecendo de falar do livro que o gato levou. Aquele que eu estava lendo, lembram? Pois é, o gato trouxe o livro de volta. Mas que pena. Me doeu tanto que todas as páginas estavam em branco.

Claro, as belas figuras e os pensamentos ainda estavam lá. Mas as anotações que eu tinha feito de próprio punho à lápis na beirada das páginas, essas, ele apagou todas sem dó, o malvado. Eram anotações que eu fazia sobre as figuras e os pensamentos que ele desenhava e escrevia no livro. Coisas que passavam pela alma na hora em que folheava as páginas do livro. Foi tão doído ver aquilo.

Mas o gato disse que também era doído nele. Não tinha contado prá vocês, mas o livro não era meu, era dele. Num lance assim de pecado, tempos atrás, surrupiei o livro do gato para ler. Acho que ele só se deu conta disso muito tempo depois. E gente, gostei tanto do livro que também agi como o gato. Não é que já estava achando que o livro era meu também? E por isso comecei, sem cerimônias a fazer minhas próprias anotações.

O gato confessou que apagou tudo o que eu tinha escrito, porque não tinha mais esperança de que um dia nos encontraríamos outra vez e que eu tivesse acesso ao livro para ler. Então pensou: Melhor ficar tudo em branco do que desse jeito. Metade com anotações de maria tricoteira e descuidada, metade sem.

E pensando bem, até que tem um fundo de razão. Quem iria pegar o livro prá ler desde a primeira página logo, logo, iria querer saber do gato, porque a tal maria parou de fazer anotações.

E sabe, nesse dia em que o gato voltou, resolvemos todas nossas diferenças. Ou quase todas, porque depois desse dia, nós já nos engalfinhamos em brigas homéricas prá ninguém botar defeito outra vez. Mas naquele momento tudo ficou certo.

O gato me emprestou o livro outra vez para fazer minhas anotações. Eu, resolvi deixar com o gato os pedacinhos de lã dourada que ele já tinha levado. Ficamos amigos de verdade.

O gato até me mostrou onde morava. Ele tem uma casa grande, cheia de cômodos. Conheci todos eles, menos um. Nesse nunca vou entrar. É um lugar misterioso que o gato guarda a sete chaves. A casa de gato dele, tem um enorme jardim. Um jardim cheio de flores lindas, maravilhosas.

Pois gostei tanto do lugar, que decidi: Construí uma casa prá mim ao lado da casa do gato. E me mudei prá lá com toda minha família. Minha casa é bem pequenininha. Mas pro meu tamanho está perfeita. E gosto tanto dela. Tão bonitinha.

E agora, o gato e eu, somos vizinhos. Não assim tão de perto, mas de rua.

E vocês nem acreditam, mas é a mais pura verdade. Somos super amigos. Compartilhamos até o mesmo jardim. Dá prá acreditar? Eu ainda não acredito. E compartilhamos além do jardim, que é enorme e onde tem um mundaréu de outras casas também, o tal livro do gato.

Ele me empresta o livro prá ler todos os dias.

O gato escreve no seu livro pensamentos e desenha suas figuras.

Eu vou lá, pego o livro emprestado e faço minhas anotações de beira de página nele. Então devolvo o livro pro gato, volto prá minha casa, pego meu novelo de lã dourada, sento na cadeira da varanda e tricoteio lindas e meigas canções de ninar para cantar para os moradores de toda a vila.

O gato faz isso também. Pega os fiozinhos de lã dourada que surrupiou de mim, senta na cadeira da varanda, enrola os fiozinhos nas unhas e tece redes com eles. Enquanto tece redes - que ainda vou descobrir prá que servem, ah! isso vou -, o gato canta lindas canções para mim e para os outros moradores da vila, além de contar lindas histórias que nos fazem rir e até chorar.

Depois de tanta briga e acertos, o gato e eu, de tão amigos nos visitamos todos os dias. Ele ouve minhas canções e dá sua opinião.

Eu também faço o mesmo. Ele coloca figuras lindas em seu livro e eu escrevo minhas canções sobre elas.

Também vou na casa do gato ouvir suas canções. Cada vez que chego lá tem um mundaréu de gente. E marias, nem se fala, tem de montão. Descobri isso depois que comecei de ir na casa dele. O gato conhece tantas marias que até já perdi a conta de quantas conheci nestas minhas visitas por ali.

Mesmo que somos tão amigos, o gato e eu, nunca nos vimos assim, de pertinho. E nem vamos nos ver, porque, embora meu vizinho, ele mora do lado, do lado de lá. E eu, embora sua vizinha, moro do lado, do lado de cá. E foi lá, do outro lado do lado de lá, que acho que aconteceu essa história.

E vocês nem imaginam o que mais aconteceu depois que me mudei prá casa ao lado da casa do gato. Ah! mas isso eu não vou contar. É segredo de estado. Se eu contar, o gato me mata de vez com uma unhada só. Ou, eu maria, acabo com ele.

E daí, meus amigos não sobra nem essa história prá contar prá vocês, que se aconteceu ou não, eu ainda não sei. Mas que estou ainda com as marcas de unha do gato, ah! isto estou.

Mas quem sabe um dia desses, quando o gato não estiver perto, eu conto prá vocês, bem baixinho, só prá vocês ouvirem. Mas, não pode contar pro gato, como vocês fizeram da outra vez tá?

Terceira Página

Pois é, como vocês prometeram ficar em silêncio, vou confabular com vocês o resto desta história. O resto não, porque ela ainda nào acabou e do jeito que me conheço ela nunca terá fim, nem início teve, imagina ter um fim.

Pois então. O gato e eu ficamos super amigos como vocês já sabem.

Mas o que aconteceu depois disso, vocês nem imaginam.

É foi isso mesmo. A gente foi se aproximando, se aproximando e quando não estávamos brigando é claro, a gente estava se conhecendo. E o tempo foi passando, foi passando...

Quando eu desaparecia o gato morria de saudades. Quando o gato sumia eu virava uma tristeza só. A gente só queria ficar junto. Sentiamos saudades e falta um do outro. Quanto eu voava alada por aí, o gato me enchia de conselhos de viagem. E em todos eles ele taxava:

Conselhos de viagem:

- Lembrar que o gato é grande como uma montanha.

- Lembrar que o gato gosta de silêncio.

- Lembrar que o gato gosta de música.

- Lembrar que o gato é montanhês.

- Quando ver uma montanha, lembrar do gato.

- Lembrar que a cor preferida do gato é azul.

- Esquecer o que deve ser lembrado e lembrar o que devia ser esquecido.

- Esquecer as mágoas da infância.

- Nunca deixar alguém lhe amar sem que você saiba.

- Lembrar que as palavras são apaixonantes.

- Lembrar que o gato...

- Se cuidar.

- Ficar bem.

Ah! Tinha tanta coisa para lembrar e fazer.

E o miserável me conhecia tão bem que sabia que ia lembrar disso o tempo inteiro. E foi assim. Em cada metro da estrada sempre tem um morro, uma montanha, um monte de terra. O céu sempre era azul se tinha sol e se não tinha eu imaginava que atrás das nuvens ele era azul. Um tormento.

E o gato numa boa, em casa, imagina, comendo caqui e fazendo frituras nas panelas.

Ah! eu tinha vontade de arrancar as orelhas desse gato. Ah! se tinha.

Mas o gato sentia saudades. Muitas saudades. Quando eu voltava sempre tinha uma canção que falava das ausências de maria me esperando. Era lindo, lindo...

E o tempo foi passando, passando...

Um dia, não sei o que aconteceu, nem o que acontecia, perdi a noção do tempo daquele dia. Nós brigamos tanto, mas brigamos tanto, que no final o gato ganhou até dor de cabeça.

É. Ele mesmo confessou que ia para a poltrona descansar depois de tomar uma aspirina. Acho que já levei o gato para a poltrona mais de dez mil vezes com minhas loucuras e estrepolias.

E sabem o que mais? Não é que até deixei o gato passando fome? Pois foi. Ele estava morrendo de fome. Estava sem almoçar e eu fazendo cachorro-quente e nem ofereci um para ele. Nem umzinho sequer.

Deixei o gato a ver navios ao invés de comer cachorro-quente (gato come cachorro-quente?).

Pois essa história do cachorro-quente também foi motivo de briga. O gato teimava que era pipoca que ele tinha pedido e eu não quis dar. E eu gritava que era cachorro-quente. Tem cabimento uma coisa dessas? Não, não tem, mas comigo e o gato tudo pode acontecer e tudo pode ser verdade, ou mentira.

Mas um dia... Um dia, a coisa ficou mais complicada ainda. Depois de uma longa briga, uma daquelas homéricas de matar cachorro à grito, o gato me surpreendeu.

Quase que ele me mata de susto. Não é que em duas palavras o gato disse que tinha se apaixonado? Foi. E foi assim, em duas palavras mesmo. Tão rápido e baixinho foi o miado-confissão do gato, que eu quase não ouvi. E ao ouvir, me desesperei. Não sabia o que fazer. Como é que podia, um gato apaixonado por uma mulher? Aiaiai. Eu não sabia o que fazer.

Nunca que esperava isso de um gato. E dele? Ah! dele? Nunca, jamais!

E fiquei perdida. O gato me mandava flores, fazia canções de amor e me enchia de dengos.

Mas eu? Eu não sabia o que fazer. Estava confusa.

Por fim, diante de meu apavoramento o gato abdicou do amor para poder continuar meu amigo. Nunca mais falou diretamente no assunto, mas continuava a falar que me amava com suas canções.

Mas então, meus amigos, a coisa se complicou mais ainda. O que já estava enrolado, virou um nó só.

Não é que um dia, numa de minhas viagens pelo mundo, enquanto caminhava numa floresta de plátanos de folhas amareladas, fiz uma descoberta que quase me derrubou. Estava apaixonada pelo gato. Imagina só, uma maria apaixonada por um gato.

E na hora em que descobri fiquei tão feliz, tão feliz, que nossa, na horinha mesmo quis contar para o gato. Queria muito fazer o gato feliz. Era o que mais eu queria. Que o gato tivesse pelo menos um minuto de felicidade. E sabem o que fiz? Bati um fio. É. Estiquei um fio de lã dourada para o gato.

Estava ansiosa, tremia de medo de falar. Era mais ou menos uma hora da tarde e acho que o gato ronronhava um soninho porque demorou para atender. E quando atendeu... Meu Deus, que voz! Que voz! Ele disse:

- Alô?

E eu? Nada. Não consegui dizer uma palavra. Trancou tudo. Ele pediu:

- Oi?

E eu? Muda. Mudinha mesmo. Engasguei e não consegui falar. Por fim, deu um silêncio e o gato desligou o telefone. Eu parecia uma vara verde de tanto que tremia.

Minha vontade de fazer o gato feliz deu em nada, mas eu não desisti. Eu pensei, quando eu voltar para casa vou contar. E foi. Eu tentei. De tudo que é jeito. Mas não conseguia.

E um dia, não sei ainda bem o que aconteceu, nem porque nós começamos a nos engalfinhar em brigas e arranhões outra vez. O gato me acusou de ingrata. Disse que tinha me pedido um simples favor e eu tinha negado. Eu, que não me lembrava de ele ter feito o tal do pedido, já me ouricei toda. E fala daqui, diz dali, acabamos nos engalfinhando em uma briga daquelas de colocar um reino abaixo.

E foi. O meu reinado acabou. O reinado do gato acabou. Ele sumiu das minhas vistas. Desapareceu. Eu pedi desculpas, implorei, pedi de tudo que é jeito e nada, o gato nem bola.

Então, um dia criei coragem e contei ao gato que o amava.

Nunca soube se o gato ouviu. ou o que ele pensou a respeito. Nada. O gato nunca mais falou comigo.

E agora estou aqui, contando esta história e imaginando o que é feito do gato. Fico pensando se ainda gosta de maria tricoteira e descuidada e se ainda guarda meus fiozinhos de lã dourada.

E sabe? Eu ainda gosto do gato. Muito. E queria muito poder dizer isso a ele outra vez. Mas o que fazer?

O gato sumiu! Se você o encontrar, diga que aqui, do lado do lado de cá, tem uma maria tricoteira e descuidada que está a lhe esperar.

Mas cuidado! O gato tem unhas afiadíssimas viu? Olha só as marcas de arranhões que deixou em mim. Cicatrizes corridas que nunca mais vão sair.

Ah! se eu pego esse gato. Ah! se eu pego. Faço misérias com ele...

Quarta Página

Gente, vocês não imaginam. Nào é que esta história não tem fim mesmo? Pois é. Estava eu num belo dia, com meu novelo de lã dourada, tricotando, tricotando, lendo o livro do gato, fazendo minhas anotações, compondo minhas canções. E decidi. Criei um livro só para mim. E o chamei de meu cantinho.

Nele eu escrevia minhas histórias, minhas canções e falava tudo o que queria dizer ao gato. E um dia o gato quase me matou de susto. Não é que ele apareceu na janela outra vez?

E veio. Assim, meio tímido, falando que tinha medo de me perder, que eu lhe dava forças para vencer o dia-a-dia da vida, essas coisas.

Vocês nem imaginam, mas minha emoção foi muito, muito grande.

E começamos a conversar. Só que foi diferente dessa vez. Conversávamos por enigmas, por canções. Mas nos falamos muito.

Só que eu, enrolada e atrapalhada do jeito que sou, com uma imaginação para atentados contra mim, de fazer tremer o Bin Laden vivia colocando tudo a perder.

Não entendia o ronronhar do gato, e me metia em confusões. Criei tantas histórias, tantas loucuras que o gato se encheu de mim e se mandou. Foi. Imagina que até ciúme eu senti do gato. E em tudo que é lado via outra maria rondando a vida do malvado que se alojou em meu coração.

Ah! que luta. Um dia o gato me animava. No outro me deixava lá embaixo.

E eu? Vivia dizendo que ia embora. Vivia me despedindo do gato. E por fim, fui despedida. A gota de água foi que ele tomou de mim outra vez o livro em que escrevia e apagou tudo, tudo, tudo.

Mas o pior ainda ia acontecer. Além de apagar tudo, não satisfeito com minha dor, o gato sumiu com o livro. Desapareceu. Nunca mais vi nem uma página do livro. Ele queimou o livro todinho de tanta raiva.

Ah! Isso doeu demais e no fundo, no fundo, até hoje eu não perdoei por isso. Digo que perdoei mas não perdoei não.

E o tempo passou, passou. E muita água rolou. O gato foi e voltou tantas vezes que nem contei mais...

E para resumir tudo para vocês sabe o que aconteceu? O gato ficou mudo. Silenciou. Nunca mais falou comigo. Parou de fazer canções. Parou de me contar histórias e sumiu, desapareceu.

Agora a pouco tempo atrás ele me trouxe o livro de volta outra vez, aquele que ele tinha levado. Só que o livro está diferente. O gato só desenha figuras nele, e não escreve mais o que está pensando.

Ele não canta mais suas canções, não me visita mais, não fala mais das minhas letras de música e nem fala mais comigo. E assim estamos nós. Eu vou todo dia na casa do gato, mas não o vejo em lugar nenhum. Ele se esconde quando estou chegando. Sempre sabe a hora em que vou chegar. Parece que fica vigiando.

Então eu olho o livro e vejo se ele desenhou algo novo. Se desenhou, eu pego o livro, levo para minha casa e escrevo nas bordas e no rodapé, as minhas anotações. Depois fecho o livro, vou à casa do gato e devolvo tudo a ele. O que ele faz ou pensa do que escrevo eu nunca sei. A gente não se fala mais.

Então volto para casa, sento na varanda, pego meu novelo de lã dourada e fico lá, tricotando, tricotando. E imagino que o gato está em sua casa, sentado na sua poltrona, afiando as unhas e com os fiozinhos de lã dourada que roubou de mim, tecendo redes e mais redes, verdadeiras teias de aranha. Para que tece essas redes eu ainda vou descobrir. Ah! se vou...

E vocês, se encontrarem o gato por aí, digam para ele que maria, está aqui, sozinha, sozinha, tricotando uma linda mantinha para colocar nos joelhos dele no frio que está chegando...

E por favor, não esqueçam, digam ao gato que maria ainda o ama muito....demais, demais...

Mas, cuidado com as unhas... as unhas...

Quinta Página...

Maria
Enviado por Maria em 12/06/2008
Código do texto: T1031067