Adágio

Verto pelos poros as emoções que moram em mim, palavras mortas na boca...sussurros bebidos no silêncio das horas...

Enxugo na tez os suores do verbo que nascem solitários, destilados sem pudores porque já não são submissos, nem se contém nas taças...

Não moram em mim os mundos, nem me habitam as eras, sou passageira do tempo, estrangeira de mim e das escolhas. Sou como o vento que despenteia em vôo cego o quanto a visão alcança, sou como o vento que balança os medos, carrega os segredos, enquanto as raízes se agarram frágeis ao seio da vontade.

Sou a verdade do hoje sem o desespero do ontem, sou o chão do amanhã pelos passos ensaiados ontem e hoje, desenhando com meus rastros a calmaria do agora.

Não me quero metade, não me acho em meias verdades, sou a plenitude cantada, onde quiser permanecer. Me terei graça em cada momento, porque sou de mim o meu acontecimento, sem que careça pedir licença. Sou no palco dessa vida a ilusão atrevida, sem estréia, sem platéia, sem ontem e sem planejar o próximo ato.

Se cá estou, é porque quero estar, da mesma forma que quando me canso de percorrer o asfalto quente, vôo para bem longe, onde não me alcançarão; não tenho outros mundos em mim, mas neles gosto de estar, pois que me são distantes e desconhecidos...

Se verto pela tez a vida que se esvai, sinto-me mais próxima do meu eu cósmico, que é pura essência, sem a ambivalência da minha pouca razão, sinto-me solta na dualidade das minhas vidas contidas em uma única nota musical; esta que me apresenta de cara lavada, pronta pra assumir minha porção imortal...creia, não sou desse mundo...e nele não hei de fincar raízes...

Sou um vento...um pensamento...um presságio...um mero adágio passeando na pauta dessa vida a mim concedida, quase por acaso...

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 30/01/2006
Código do texto: T106249
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