Sobre Tudo

Vestia-se bem.

Algumas vezes ensolarado, aliás, muitas vezes...

Outras, sombrio.

Eu admirava a forma como aquele ser conseguia manter o olhar sempre infantil.

Como se o mundo fosse um atrativo jogo.

Pedras superpostas, águas submersas, cata-vento girando.

Cada caminhar significava um objetivo.

Sempre um objetivo.

E muitas vezes nem sapatos usava.

Para que os pés não deixassem rastros, usava asas.

Ágeis, coloridas, emplumadas.

Pés nus, braços abertos, mãos em defesa.

Do que se defendia? Era um mistério.

Um ser insaciável e sedento.

Secava todas as fontes.

Embebedava-se das estações.

Encharcava-se de emoções alheias.

Aprisionava o Sol nos olhos, no ventre, no coração.

Alimentava-se de tantos outros sóis.

Precisava disto.

Necessitava comer outra carne e beber do próprio sangue até a última gota.

Vampírica opção!

Não adiantou muito.

Sobre tudo, lá no canto, seu sobretudo tornou-se inútil.

Ficou enorme para aquele ser tão pequeno.

E o ser sabia disto.

Pendurou-o como o troféu da sobrevida.

E usou venda nos olhos para que o sobretudo, sobre tudo, não lhe desse um amargo rascante na boca a cada vez que o olhasse.

O ser passou. Tudo passa.

E o troféu, empoeirado, espera pelo ser primeiro, aquele que sobre tudo, encontrará a si mesmo.