Desistência

Recolha os cacos do que eu te dei,

estão espalhados em algum canto, onde nem eu mais sei, eram inteiras expressões de mim, espaços reluzentes do meu céu secreto...

Talvez nessa tela de lembranças tenha ficado gravado ao menos um sorriso,

não o riso despachado que ecoa arteiro, o sorriso esboçado de quem ouve atentamente enquanto pensa....

Em alguma moldura devo estar olhando-te como sempre fazia, com olhos prenhes de ternura, gesto simples, nem sempre percebido...se encontrar, quiçá um dia,

o observe atentamente e desvende as verdades contidas em cada traço do meu semblante esquecido...

Não saberá tu e ninguém o quanto esse coração vive apertado, não sentirá os espinhos em que está enterrado e nunca conhecerá as linhas escritas com o sangue das horas que o silêncio bafeja sua fria crueldade...

Fico com a doce saudade, o olhar perdido sem respostas...eu fico com as promessas da terra, a esperança tecida sem alianças, sem cobranças, vou estrelar no rasgo aberto,

onde me habito, num vale de espelhos, para não me esquecer de quem sou...

Deixo rastros das lembranças, passos nunca dantes dados, a marca dos pés duramente pisados. Deixo a vaga do meu eu coberto de poeira sideral, um diário de bordo, tragi-cômico e um recado lacônico...

Não conheci o afeto perpétuo, vesti na carcaça tantas canções desbotadas, serenatas bêbadas, retalhos de amores vadios, vazios, que nunca vicejaram,

mas vivi os mais completos amores e outros mais viveria se não resolvesse desistir.

Aposento meu insensato coração, meu fiel companheiro que se perdeu em desvelos...

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 04/02/2006
Código do texto: T107773
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.