{ De cansaço... }

De cansaço, acabei dormindo logo quando a sombra arroxeada do crepúsculo encheu a casa no apartamento.

Me acordei chorando como quem nasce no silêncio do abrir de olhos, ninguém estava aqui, estranhei a ausência. Estranhei o silêncio, o vazio, o escuro.

Me acordei chorando. (me acordei, é isso mesmo porque eu me acordo, me acordo de dentro do sonho, sei que é sonho e me acordo).

Dá medo, agonia não conseguir acordar, porque tenho toda consciência de quando estou sonhando, eu medro ficar entre o sonho e a consciência do sonho, me acordo.

Como ia dizendo, me acordei chorando não como quando se nasce, mas como quando já se está vivendo antes de nascer.

Você me vive? Eu te vivo.

Queria saber quem toca essa campainha e esse telefone, quem quer falar-me e o quê. Ouço o telefone tocando e corro pra atender, parece nunca dá tempo, a campainha mesma coisa, toca, toca incessantemente, e eu não dou conta. Pergunto se alguém ouviu o telefone tocando ou a campainha, mas ninguém ouviu, seria do vizinho? Ninguém ouve. Apenas eu. É assim, às vezes, acordo com o som estridente do telefone ou a campainha insistindo, me levanto num salto, e não é ninguém, ninguém ouviu, não é ninguém.

Quem e o que tanto me querem falar? Por que tanto me chamam?

Será é apenas coisas da minha cabeça de criança? Ou sou esquizofrênica?

Acordei com banzo ou com uma dor de oco, de cocos! Não sei que sonhos tive, mas me peguei pensando na morte. Ela me percorre também, me caminha por dentro, nasceu comigo, percorre o oco dos meus ossos, trespassa minhas juntas, desvãos do meu ser, medulas... acorda comigo silenciosa e eu não temo, anda comigo a passos aveludados. Caminho corajosamente e sem esperança alguma, e de pé a encontrarei vestida de alvuras, névoas, arremedo da tessitura.

Mas que desadoro, meus mortos são meus filhos, saem da vida como se saissem das estranhas, aquela falta de ar, sensação de morrer na hora do corte, na hora de arrancar de dentro da gente o filho morto como se estivesse vivo.

Acordei com o som tremente do avião passando, seguindo uma rota para onde não sei, com o pio dos pássaros arrulhando-se nas asas do tempo, e com as crianças lá fora chamando: Mãe! Manhê!

Abro a janela bruscamente na urgência das vozes e um gato me olha assustado, eu chamo psi-psi-psi-psiu... ele corre e some ao virar o muro da esquina.

Saio correndo do quarto, passo pela porta apressada, arranho meu braço na maçaneta e me deparo num tranco com parede do corredor. Viro a chave e abro a porta da sala, desço em passos rápidos o primeiro vão de escada, raspo a perna no vaso de planta, continuo descendo os degraus do segundo vão como num labirinto mutante.

Abro a porta de entrada e saio.

Não vejo ninguém, nada, nem um passo, as vozes sumiram nas esquinas.

De súbito uma folha amarelecida do outono ido rasca minha face atônita areada de sonhos.

É a vida que me chama, sim a vida que dói, é a vida irmã siamesa da morte, uma puxa a outra pelo braço...?

Será a vida amarelecida que grita lá fora, me chama ao telefone? Toca a campainha? É a vida que me acorda! Insiste em falar-me...é a vida que me lança nesse labirinto universo vago, vazio, silencioso, escuro e colidido.

Beija minha face , beija? Como uma folha que cai pela manhã na terra árida, inóspita, deserta.

Você me beija?

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 22/08/2008
Reeditado em 22/08/2008
Código do texto: T1141131