* Gravura retirada da NET. Desconheço a autoria.

Renascendo...
 

Foi assim, como num piscar de olhos que ela decidiu partir. Queria voar, conhecer o mundo, aprender sobre a vida com a própria vida. Foi assim, como quem busca tocar o horizonte, que ela seguiu seu caminho. Na mala, ansiedade, sonhos e uma vontade imensa de correr, voar... Viver. E quando ela disse que partiria, todos se acharam no direito de opinar. - Vai para o exterior! É louca! Está fora de si, não tem juízo; Outra voz mais entusiasmada gritou: - Oh! Isso é maravilhoso! Deixe-a ir, vai ganhar mais dinheiro, vai comprar isso, aquilo; vai voltar cheia da grana. Uma outra levantou: - Ela não precisa ir. Não sei o que vai fazer lá. Já tem faculdade, carro, emprego bom. É solteira, livre, não tem preocupações, tem a vida que quer. Não sei o que vai fazer, solta por aí. Vai se perder! E foram tantos “eu acho isso - acho aquilo” que ninguém lembrou de perguntá-la o que de fato a movia rumo àquela decisão súbita. Ninguém pensou que talvez ela procurasse um outro tipo de estabilidade, uma dimensão diferente do sonho. E quando ela já havia esgotado todas as possíveis justificativas, veio a voz que faltava: –Minha filha, você será feliz se for? E, num suspiro cúmplice ela respondera: Se eu serei feliz, eu não sei pai, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza: Se eu não for, viverei atormentada com o eterno “Se”. E se eu tivesse ido... E se não? Talvez, porém, quem sabe... não poderiam fazer parte de seu vocabulário. E com o olhar de quem vê seu tesouro partir, ele falou: - Então voa meu passarinho... mas voa longe. E quando o inverno chegar, e você sentir frio, volta pro teu ninho que ele estará sempre à tua espera.

E ela foi. Partiu como um cometa, riscando céu e deixando o rastro que confirmava a sua passagem pelo universo. O percurso era longo, por vezes ela se encontrou sem forças, quase desistindo da travessia rumo ao mundo novo. O mais difícil era fazer todos entenderem que os momentos de risos não eram uma constante. Intensos sim, verdadeiros e únicos, mas também tinham as lágrimas que chegavam assim, sem aviso, sem motivo aparente, sem razão. Mas as lágrimas não têm razão de ser, elas são um estado da emoção, o grito sufocado do coração; elas são a voz silenciosa da esperança que teima em mostrar o que os olhos não querem ver. Os olhos da razão não entendem a voz do coração. Eles não falam a mesma língua e talvez por isso, a lágrima seja tão solitária, silenciosa e até sufocante.

Ainda assim, entre risos e lágrimas, ela seguiu seu caminho. Foi apresentada a uma realidade nua, sem máscaras, sem a roupa de festa que ela estava acostumada a ver. Ela conheceu o inverno frio, pediu coberta pois faltava calor. Aquecedores elétricos tinham aos montes, faltava o calor humano, a mão que aquece, o colo que acolhe, o olhar que adormece depois do abraço. Faltava amor. Mas ela sabia que as flores viriam. E quando os primeiros botões se abriram, não houve festa, não houve barulho. Não faltou flor, faltou emoção, faltou gratidão. Mas o sol chegaria e traria a alegria. E ela gritou, ninguém celebrou. Não faltou calor, faltou luz no coração de quem recebia o dia; faltou alegria, faltou fantasia. E quando as folhas finalmente começaram a cair, ela não chorou pela perda. Quando o vento levou ao chão todas as folhinhas, ela se permitiu deitar sobre o tatame dourado que a convidara a sentir a mágica da transformação e do renascimento. E foi assim, que ela aprendeu a enfrentar o frio que viria. Ela sabia que na natureza, a mágica aconteceria, o sonho sorriria, o sol surgiria e o botão, em flor renasceria. 



P.S.  Inspirado no texto RESSURREIÇÃO - Rosa Pena - In PreTEXTOS/Rosa Pena - São Paulo: All Print Editora, 2004