{Há dias...}

Há dias em que saio de casa, pego qualquer ônibus, qualquer caminho e vou cambaleante percorrendo a cidade, suas ruas cinzas, azedas. Vejo gentes que nunca imaginei e outras que imaginei ter visto em algum outro lugar ou em sonhos. Mas deve ser a conseqüência de uma disritmia aguda...

Dentro da condução que sacoleja meus ossos e minhas carnes, senti um gosto doce na boca, fiquei a sugar a língua como quem beija o outro. A língua de outro na minha.

Era como se chupasse bala enquanto assistia a um filme sem tela que passava diante de meu olhar. Desci e caminhei ainda por alguns lugares sinistros, ensebados, escorregadios. Cheiro agridoce demais e um vermelho de crepúsculo que sangrava no rio debaixo da ponte. A cabeça zonza, as gentes com vozes fora de rotação... Subo nauseada noutro ônibus de volta para casa, mas veja só que absurdo, que sei eu de voltar, de voltar para. Eu também gosto da rua. Que sei eu de caminhos de volta? Estou perdida. Eu sou perdida.

Estamos assim , bem sei.

Não existe o caminho de volta, só de ida. Na minha travessia sem rumo, o rastro não dá pista, também se perde com o tempo, com outros passos atravessando o caminho.

Às vezes, faço isso, saio de casa sem mapas, pego um rumo qualquer e pronto! Lá vou eu me perder de novo nessa cidade que me engole e me regurgita, ficamos assim noite e dia no vai-vem a procurar estradas e saídas.

A cidade me percorre. As portas somem quando me aproximo, somem como miragens no deserto, no calor serpenteando diante dos olhos, tudo morrendo molemente diante de mim, esse calor cortante equatorial desmancha a gente nos ares, desfaz as coisas quando no toque do agora. Portas que se fecham atrás de mim num ímpeto de vento vindo de longe, de outros tempos.

Continuo então o caminho, traço o passo sem rumo ao sol, a noite logo chegará apagando o meu rastro movediço.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 05/09/2008
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