Somos Pássaros

Dito de uma outra forma: se despontarem os clarões da noite e das axilas crescerem pássaros – digo-te: antes que te enlace próximo dos pilares que sustentam a realidade. Digo - quando a tua voz se mistura na minha língua. Prever o desenvolvimento dos vultos na cidade aberta. A visão insondável das avenidas, multidões anónimas nos centros comerciais e quem vai para os campos lembrar a infância dos dias - em lâmpadas festivas. Estender a toalha para substituir a brancura da pele pela pele do sol. Velar nas esplanadas a solidão ao entardecer. Alguém vende a felicidade em pastilhas, alguém compra a felicidade e deixa o troco em dedos nervosos. Corre-se pelo areal com a ilusão de sentir uma vida autêntica. Não ouço, mas sei que à distância há quem grite por um lugar no paraíso, quem coma pastilhas elásticas com olhos perdidos no horizonte. E apanha-se um táxi verde para o futuro: e. O lugar mais próximo prometido num comício de almas. E muito mais, muito mais na floresta imponderável do corpo dos corpos. E.

Aqui viemos para esquecer a morte? Não. Os pilares iluminam a noite, onde te enlaço à realidade lunar. Por instantes somos pássaros, deixamos a pele humana esquecida nas avenidas, caminhamos com asas sobre os postes eléctricos. Não queremos saber quem somos. Recusamos as proposições que nos podem classificar como seres definitivos. Digo-te: não queremos nada. Não queremos nada nesta noite para viver a noite inteira: irrepetível. Aqui viemos desejar o caos, a madrugada imensa e desconexa - no perímetro de um pátio largo por onde corre o voo da ventania.