Ainda Fluindo

Escrevo, escrevi sem detalhes, a memória exclui os pormenores, apenas um fundo, um cenário e as peças como personagens ou as personagens como peças. Por vezes, peças e personagens em direcção a esse fundo, nesse fundo sem profundidade,

assim, os contornos da memória, somos pássaros ao fundo do mar, saio com o destino de voar em chamas. Li um anúncio para guardar os sonhos, li um folheto para vender a memória,

então: o mar, as palavras, o ar, a memória, a luz, a aurora, a manhã, o vento, a escrita, o movimento, os símbolos, a existência, as árvores, o real, a relva, as emoções, a morte, as personagens, o delírio, a realidade, as peças, a memória, as circunstâncias, a ontologia, o corpo, as velas, as palavras, a vida, o mar, os dedos, a aurora, a luz, o vento, os verbos, o céu, o branco, o azul, a areia, as horas, a boca, o rumor, o mar, a manhã, as sensações, os instantes, o delírio, o branco, as velas, a paisagem, o movimento, os fluidos, os acontecimentos, a experiência e ainda, ainda,

qual a relação entre o sonho e a memória? Entro por um corredor verde: na alameda de folhas memoráveis: o silêncio nasce num declive na noite, a água dos lagos substitui as estrelas. Vem de braços adjacentes receber o ar a luz da manhã ao vento,

o movimento dos símbolos, lembro a existência das árvores ou o real, dizes os lábios da relva, sorvo as emoções na morte. Teremos as personagens de Max Ernst ou o delírio de Breton, o delírio filtrado pela realidade em peças e a harmonia quando se esvair ao fundo da memória. Faltam as circunstâncias,

não posso esquecer a ontologia quando bebemos o corpo num tumulto de velas e palavras, a vida inexorável pelo fim da tarde enquanto jantávamos o mar, ao mar lambendo os dedos da aurora premente. O inconsciente, luz luminosa, repito: o vento e os seus arredores, como os verbos, o céu para ser feliz, repito o

azul, se quiseres o verde da areia, o inconsciente distribuído em pacotes por todos os quiosques do céu, como um vestido branco caído na areia num Verão qualquer. Deixa-me falar das horas, perguntar as horas a quem não passa, furar as horas para ouvir o estalido da solidão, perguntar as horas às árvores, o rosto

branco da beleza, não da morte, o rosto branco da existência. Os corpos brancos na manhã, um rumor, o rumor do entardecer, lembra-te, fomos ver as aves numa excursão com os deuses das sensações, os instantes para amar a boca das palavras, os dedos das palavras,

pergunto onde fica o infinito, pergunto onde fica o infinito na tua pele, quero comprar em qualquer curva da estrada, a qualquer preço, postais ilustrados destes lugares sem regresso, comprar retratos de alguém: como árvores, mar, folhas, letras, lábios, fluidos, bermas, vidros, asfalto: e ainda e ainda e ainda.