[Você é a minha Neblina]

Passado cada vez mais estendido, e Futuro cada vez mais minguado, eu ando perdido na neblina. Perdido de mim, eu procuro alguém na neblina: é raro, muito raro, mas às vezes acontece de encontrar, e então, a neblina, neblina pra valer, fecha os caminhos. E agora, fico ‘maginando... o "acontece" é na neblina — “acontece” — é ótimo de dizer, é até doce! É óbvio, como foi que não dei por isto antes?! Na neblina, só pode o “acontece”! “Firmeza” não combina com neblina! E eu descobri que gosto do acidente que está contido no "acontece"!

Gosto de me expor ao "acontece"... dia desses, eu quebro a cara, e acontece algo ruim comigo. Mas até hoje, eu escapei, foram poucas as vezes em que eu saí assim, ao léu, tempo neblinando, na busca de aconteceres e tive dissabores [minto? Quem sabe... quem sabe...]. Faz sentido procurar aconteceres? Faz sim, e é só abrir asas, abrir os olhos que eles surgem. Geralmente, gosto dos “aconteceres” da noite, de dia, quase nunca acontece nada de interessante! Busco ser, quero ser a neblina de alguém... será? Neblina...

Neblina... Neblina... Já pensou que os outros são a neblina da gente? Quem são os outros que a gente nunca sabe quem são, e o que eles têm atrás da cara, atrás dos olhos? Isto pode ou não pode ser? Lembro-me de Riobaldo e Diadorim: "Diadorim é a minha neblina..." ah, mas nesse caso, que neblina, hein? De matar de angustia, aquela tesão de gente sofismada num corpo estranhável!

Não, assim pesada não, assim dolorida não — assim, eu não quero ser a neblina de ninguém... Quero ser neblina de possibilidades ao tatear dos lábios... lábios cegos, mas ávidos! Por exemplo, será que eu sou a sua neblina? Uma neblina leve, ou o transtorno de uma nuvem de desejo escuro, denso... um desejo... neblinoso! Quem anda na minha neblina, sonha comigo, mas nada me cobra, e nada me deve — sabe-me mortal, efêmero, um ser para o instante, um ser para a morte! Quem anda na minha neblina, quem é a minha neblina — molha-se...

Ah, neblina no ser, neblina nos caminhos, neblina n’alma: queremos, mas não sabemos precisar, ao certo, quem é a neblina de quem! Dois perdidos na neblina um do outro! Nós não nos resolvemos feito equações, eu não vou, você não vem — não somos, um do outro, aquele imprevisto acontecível.

Mas tudo que não se resolve numa tacada de decisão, num tira-teima, numa prova-dos-nove, num "eu-pago-pra-ver", vira neblina — vira possibilidade para sonho, presta-se para sonhos, para nuvem no horizonte... Falando nisto, eu vejo ao longe a sua nuvem e fico pensando: que bom se você chovesse aqui, aqui, exatamente sobre mim! Por que você não chove para mim, em mim? Ah, se você chovesse em mim, a neblina se dissiparia — surgiria no lugar, o seu eu-concreto, um eu assim, cheiroso, macio de se pegar! E se eu fosse a sua neblina, poderia ser eu a chover aí, sobre você, em você... molhar seu corpo de mansinho, neblinando macio, seu corpo inteiro...

Eu quero, eu quero você; mas você, ora, você se esvai: você é a minha neblina!

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[Penas do Desterro 24 de setembro de 2008]