Infinito

Caminhar sobre um muro. Literalmente: um muro, caminhar, sobre. Como numa cena cinematográfica. Quem caminha por esse espaço, onde os limites se prolongam, uma definição no infinito. Não sei o significado, sei da beleza de caminhar, um muro, imagino-o branco nos limites do infinito, nas circunstâncias do que flui sobre o muro branco, quase vertical, erguido – possivelmente, como o imagino ainda – nos filamentos similares da noite, a noite irrepetível. Caminhar sobre um muro e não desistir de desenhar as sombras ínvias que correm e escorrem como um líquido indistinto – onde nada se pode entender na claridade dos olhos. Imprimo signos possíveis, transformo as sílabas em animais que falam no eco inaudível que penetra o muro. Caminhar e fixar o movimento numa câmara, quase imperceptível se a lente se desvia do ângulo exacto. Se houvesse um instante, um início inicial para sempre, se houvesse esse instante para existir – se a luz se fundisse e a existência fosse caminhar eternamente sobre um muro pelo infinito. Imaginas árvores no centro da morte, uma percepção de lagos alegóricos para viver num sonho indeciso, oferecer todos os dias símbolos crescidos nos lábios e o corpo sem medida amando o corpo num julgamento de Eros. Exortar o mar ao abrir as janelas, todos convidados para o aniversário do poente. Imaginas os bolsos sem metafísica, a amizade autêntica das aves suspensas, ir ao entardecer – antes da apoteose cénica da noite – passear pelas alamedas os dedos longos da existência. Caminhar sobre um muro. Literalmente: voltar do infinito. Voltar ao infinito. Se escrevesse, se pudesse escrever. Escrever sobre um muro, até à exaustão, indivisível, incessante. O desafio da morte como uma linha no espaço, entre as margens débeis do muro. Nada dever à morte, nem a comoção. A existência pendular na ordem indefectível do tempo. Entre as margens do muro, nada dever à vida, a rasgadura das palavras impossíveis. Tudo: durante a faculdade da noite inexorável. Caminhar num encontro sem regresso, sobre o muro ser a personagem suspensa do próprio movimento, exibir a consequência das imagens incaptáveis. Se escrevesse, insinuava a morte, experienciava a morte para suportar o peso ou a leveza do corpo que caminha sobre um muro: indistinto. Literalmente: pelo infinito: Caminhar sobre um muro. Caminhar pela morte, sentir o abismo em cada lado e persistir num desafio de lugar nenhum, a hora extrema aonde vamos com os olhos abertos pelo fim. Estendo os braços, peço aos ombros a conjugação dos argumentos que me tornem uma visão que resiste. Imaginemos o tal cenário onde se impõem os vultos, ardem na luz da paisagem, essa água escorregadia da errância. Assim errar como vácuo de uma viagem esplêndida. O que escrevo se não escrevo, nada diz a língua do infinito. Literalmente: estou fascinado pela vulnerabilidade de cada momento. Fragmento os vidros para conhecer o musgo do que não existe. Nada diz o assédio do infinito. Em redor dos olhos a vertigem: sobre um muro.