Garatujas do autismo

Seu papel de carta

Seus arquivos recebidos

Sua mensagem em branco

O seu documento modelo

Têm local original

Os riscos da letra do meu filho

Não há letras, há garatujas da letra A

O seu autismo marcado

Tem garatujas infinitas

São rabiscos sem mãos

São rabiscos sem pinças

São trejeitos desencontrados

Da disgrafia em cada mão

A leitura não se faz

Não há cognição

Não há significante

Não tem significação

São garatujas do amor

Pensava que

fachadas, móveis e instalações

podiam criar desenhos que

se prestam aos mais variados fins

e que as minhas garatujas

foram a opção por um desenho

de cunho autoral

Mas não

Seus desejos não eram meus

Seus desejos são garatujas autísticas

pois seu nome sabe escrever

E, eu, sonhei, para ele

desejos dos diretores de arte,

sem ter um estilo muito definido.

Ao longo desses anos,

fui rabiscando uma série de esboços

sem compromisso de figuras meio estranhas,

que eram esquecidas nas pastas

e gavetas do estúdio

do meu coração.

Costumava chamar esses personagens de "garatujas"

numa alusão aos rabiscos

que as crianças ditas normais costumam fazer

As garatujas foram se multiplicando, multiplicando

até que um dia ganharam vida própria

Depois veio outra chance

Saíram das gavetas e pastas

e passaram a ganhar o mundo

Não havia mais nada que eu pudesse

fazer para detê-las

O meu filho continuou autista

E eu passei das garatujas às letras,

das letras às poesias

Da poesia ao entusiasmo

de publicá-las

Em nome do amor.

Em Belo Horizonte, 27 de setembro de 2008.

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 29/09/2008
Reeditado em 29/09/2008
Código do texto: T1202961
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