Viagem

" Nós que empreendemos e pensámos,

que pensámos e empreendemos,

temos que deambular e esgueirar-nos..."

W.B.Yeats

Sob os mastros do sonho, o vento mais íntimo lembra-me do que vi, a descendência da noite girando nas hélices de uma luz deserta de cais. Caminhei no sentido do norte, o frio de encontro aos vidros, janelas onde nenhum rosto se vê, nem na inocência. Pensei em ficar naquela luminosidade horizontal sem contornos, onde pudesse sentir para sempre o que parte num rastro de lâmpada. Irlanda – os navios num céu de timbre, timbre roxo, a obscuridade que tinge a solidão por um empedrado de aves imóveis. Aves que vão quase invisíveis pelo espaço cedido de nuvens. Te vejo Irlanda na horas marítimas, quando passam os teus faróis em círculo, lembras-me da relva penetrada pelo mar, descia obstinado as escadas do infinito. Por que aí o infinito está submerso como um corpo que voa. Delírio de voltar, ser de novo o pulso demorado na pele crepuscular dos dias, vestir a camisola de lã para ferver o sangue, embalar-me no pórtico azul da neblina – quase roxo – de um ruído eterno de vagas marginais. E as janelas apaziguadas da memória serão ainda as folhas dos verbos inomináveis trocados. Passear na areia verde, os dedos longínquos de um céu qualquer. A sombra do corpo como um mastro ao vento mais a norte. Irlanda – viagem em levitação.