Azul Imóvel

O delírio de voltar. Um navio farol identifica-se na ferrugem incrustada ao cais. E as pedras ouvem-se num silêncio instintivo. Os guindastes aguardam o cumprimento protocolar da noite, as luzes acesas cercam a escuridão para a sombrear. Que faço deste silêncio inadvertido, próximo dos edifícios desertos e disseminados? Admito uma realidade de vapores, aperto o casaco pela garganta, sei que o frio me arde as pálpebras. Procuro um eixo para me situar na extensão ou na intensão, desdobro os pontos cardeais em alusões onde tudo possa ser reconhecível no nevoeiro. A morte corre ao longe no rosto insistente dos náufragos. Alguém disse, onde estiver o mar, há a voz profunda dos afogados. Diria, a arte de respirar num pulmão líquido o infinito. E ali o mar e o hálito de bordo, o vento indiferente e as artérias iluminadas num arco-íris de óleo tão belo como a noite.

Entre as pedras cresce a relva húmida, num lance, reparo, o navio farol não suspende a imobilidade, os mastros declinados da vida à volta. Conjugo os verbos para sentir a tua alma, num patamar de palavras um nome não se dissolve, exalo a solidão nesta baía de ferros e cordas e mastros e fardos e aves e insectos e candeeiros e afecto por imagens de um lugar coalescente. O pensamento me trouxe aqui e as veias do assombro, não esgoto o tema, o corpo se esquece de si na neblina. Momento comemorativo nos sulcos digitais da memória, os barcos dividem-se pela ventania, ninguém olha as traves nocturnas das sombras lunares. Aí, imóvel, estendendo a água no vazio da espuma, em teu redor o silêncio adormece as hélices. Abriram-se as escotilhas na última viagem, clareando a abóbada do mar imponderável. Regressas à noite nublada para ficares anónimo num relâmpago, enquanto em coágulos me agasalho em emoções no casaco azul.