Uma noite memorável

Prólogo:

A noite é uma criança. A noite memorável está só começando, ou seja, tem-se toda a noite pela frente para comemorar, curtir etc. Os que se queriam saberiam superar suas dificuldades em tranpor seus limites, bloqueios, medos, culpas e anseios existenciais.

Sexta-Feira, 17 de outubro de 2008 – 06h13min.

Nesse horário o sol já dava mostras de sua imponência ao controlar a temperatura do ar atmosférico. O homem levantou-se sonolento e diante do espelho abriu os olhos devagar. Ele estava superatrasado. Acordava-se, normalmente, por volta das 04h45min para as tarefas matinais: trocar a água dos cachorros e pássaros, escrever, ler, estudar, pesquisar.

Bocejou e esfregou o canto do olho esquerdo, enfadado, com o dedo indicador da mão direita. Já desperto aguou as plantas, trocou a água dos seus fiéis amigos Jade e Hulk e de um casal de periquitos. Aquele dia e noite seriam diferentes? Não sabia. A lista de compras estava em sua mente. Desejava que pelo menos a noite fosse memorável.

Frutas. Peixe. Sorvete. Era assim que ele decorava qualquer coisa que devia ser memorizada. Palavras simples e genéricas. As subespécies, especificidades dessas compras seriam mais fáceis de lembrar quando se generalizavam grosso modo.

Durante o café frugal resolveu jogar uma partida rápida de Xadrez. Seu lóbulo frontal iria se digladiar com o lóbulo occipital. Loucura? Não mesmo. Ele sempre fazia isso quando queria exercitar sua mente. Provavelmente esse exercício já teria um vencedor.

Ambidestro, fazia treinamento, isto é, praticava tiro ao alvo, escovava os dentes, assinava o nome, desenhava, usava o "mouse", coçava "a jóia" da Santa, etc., com a mão esquerda ou direita para tornar essa habilidade perfeita. Não era um craque, mas quando jogava futebol também chutava razoavelmente forte com ambos os pés.

Sabe-se que o lóbulo frontal é assim chamado por localizar-se na parte frontal do crânio. Ele parece ser particularmente importante por ser responsável pelos movimentos voluntários e também por ser o lóbulo mais significante para o estudo da personalidade e inteligência.

Por outro lado na parte de trás da cabeça, mais precisamente na região da nuca, localiza-se o lóbulo occipital. Nele encontra-se o córtex visual, que recebe todas as informações captadas pelos olhos; melhor dizendo, sua especialidade é a visão.

Henrique não queria que o seu lóbulo frontal ganhasse a partida, mas como poderia um especialista em visão ganhar contra a privilegiada inteligência de sua parte frontal do cérebro? As brancas jogaram: 9d5xc6 e em uma fração de segundo as pretas, representando o lóbulo occipital, tomaram um peão jogando: b7xc5!

Era a glória. O autodidata torcia pela parte mais fraca. Claro que não existia tabuleiro de xadrez à sua frente. Observem que o café era o menos importante naquela ocasião. O jogo de imaginação era apenas um dos exercícios mentais que Henrique usava para se manter elétrico e vivaz.

Contar letras que compunham as palavras, fazer translineações e buscar sinônimos e/ou antônimos era outra brincadeira que ele gostava de praticar. Quando ia dar um lance com as brancas ele pensava com a parte frontal de seu cérebro, mas ao responder com as peças pretas arremetia o pensamento para a parte posterior de sua cabeça e dessa forma conseguia jogar como se fossem dois jogadores residentes em um só cérebro.

Aliás, Henrique conseguia potencializar qualquer região de seu corpo com a força da mente. A brusquidão do toque do telefone fez com que ele derrubasse a xícara de café com leite e dizer uma imprecação.

No outro lado da linha alguém com uma voz fanhosa disse exaltado:

- É o Dr. Henrique? Posso falar com o senhor? – Após o susto da surpresa Henrique respondeu com humor.

- Sim. Já estamos falando. Do que se trata? – Percebeu certa aflição na voz do interlocutor.

- Meu filho foi preso ontem à noite. Foi acusado de comprar uma moto roubada. Deram-me o número de seu telefone e queria saber se o senhor poderá ajudar em algo.

Henrique olhou para o relógio situado na parede de sua cozinha. 06h28min.

- Onde seu filho está preso?

- Na delegacia central, em frente ao hospital Pedro I. É a primeira vez que isso acontece. Ele só tem dezessete anos, mas é muito grande para a idade dele. Tenho medo que batam nele e façam outras maldades com meu menino.

O autodidata estalou a língua, em sinal de desagrado, ao ouvir a última frase da mãe desesperada: “... Tenho medo que batam nele e façam outras maldades com meu menino”. O muxoxo (tunco) do advogado foi inaudível, mas a notícia de um adolescente preso tirou a concentração do jogo mental de xadrez.

- Separe seus documentos pessoais (Identidade, CPF, Certidão de Casamento, etc.) e todos os documentos do seu filho, principalmente a certidão de nascimento. Venha com outra pessoa de maior idade, da família ou não, até minha casa com R$ 800,00 (Oitocentos reais) em dinheiro. Daqui iremos para a delegacia e tentar resolver o problema.

Henrique preparou uma garrafa de café extra. Fez um pacote com duas maçãs, duas bananas, um pedaço generoso de bolo, alguns biscoitos, duas barras de cereais e ficou à espera da senhora que se dizia chamar Rosilda dos Santos.

Após 37 minutos a mãe do suposto intrujão chegou acompanhada do esposo, de uma irmã e um adolescente de apenas dezesseis anos. Esse jovem rapaz era meio-irmão do outro que se encontrava detido na delegacia.

Depois de deixar o meio-irmão do menor apreendido em sua própria residência, sito na Rua Rio de Janeiro, Bairro da Liberdade – delegacia não é lugar para menor de idade e além disso familiar de preso –, Henrique seguiu para a delegacia central conduzindo o lanche que preparara com antecedência para o rapaz em custódia.

Essa obrigação era da mãe do preso, mas o autodidata sabia que esse pensamento, se passou pela mente dos familiares, não seria materializado em ação tão benfazeja. Ademais, Henrique não era apenas um advogado, era, também, pai, avô e praticante de maneiras gentis. Ele sabia do alcance social que o lanche improvisado causaria aos familiares do jovem desencaminhado detido.

A moto roubada foi devolvida ao legítimo dono Sr. Alfredo Meneses, que também fora convocado para comparecer à delegacia. O advogado recebeu os honorários pelos serviços prestados e firmou recibo.

O intrujão foi liberado após prestar depoimento, preencher o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e comprovar ser de menor idade e um “inocente útil” nas malhas dos ladrões que pululam a cidade de Campina Grande-PB. O restante do dia foi tranqüilo e quando menos Henrique se dera conta anoitecera.

Sexta-Feira, 17 de outubro de 2008 – 20h47min.

Analu ligou dizendo que estava a caminho. Sua voz estava calma. Encontrava-se no interior do ônibus. Henrique não ficou alvoroçado, pelo contrário, estava também muito tranqüilo. Desejava que aquela noite fosse inesquecível. Sabia que seria uma noite memorável.

Seja qual for o ponto de partida, é sempre bom lembrar que não se deve fazer amor seguindo uma lista de gestos ou ações pré-definidas. A espontaneidade deve prevalecer. Uma relação sexual saudável, que provoque uma excitação intensa e em curva ascendente, demanda certo "derretimento", ou seja, um estado de entrega, que deve preceder o sexo.

Para atingir este estado, há apenas uma condição básica: não ter pressa. Beijar a boca com convicção, por exemplo, é algo íntimo e excitante. As carícias e os abraços também não podem ser deixados de lado.

Normalmente, no amor, os eufemismos infantis ou os nomes técnicos para denominar certas coisas podem ser despropositados. Por vezes, há que perder toda a inibição e não ter vergonha e falar de uma forma lúdica para destruir todas as repressões.

Há quem diga e defenda com unhas e dentes que os excessos são perigosos. Afirmo, todavia, que não é bem assim. Querem um exemplo? Libertem-se dos preconceitos e aproveitem os instantes preliminares. Nisso poderão exceder!

A intimidade que se estabelece entre um casal que está prestes a fazer amor não pode ficar limitada ao toque, às carícias ou ao contacto visual entre os parceiros. É importante conversar, fazer confidências sobre os desejos e vontades, eventualmente até confessar uma fantasia censurável em outras condições.

Henrique sabia que o sistema reprodutivo humano oferece uma porta aberta e relativamente sem defesa para o corpo humano. O número de DSTs está aumentando sem parar, pois elementos causadores de doenças que no passado tinham dificuldade de passar de um corpo humano para outro agora se aproveitam das atuais facilidades que os comportamentos sexuais estão oferecendo.

Os seres humanos foram criados para serem sexualmente féis. Multiplique o número de parceiros sexuais e você multiplica assim o risco de exposição às DSTs. As chances de você contrair uma DST em determinado ato sexual dependem de vários fatores, entre os quais:

1. A condição de saúde sexual da pessoa com que você está tendo sexo.

2. O número de pessoas com quem você teve sexo e com quantas pessoas essas pessoas tiveram sexo. Quanto mais pessoas, maior o risco de que um deles seja portador de uma DST.

3. A facilidade de contágio de certas doenças. Algumas DSTs oferecem perigo elevado com uma só contato.

4. O tipo de relação sexual praticada. Algumas relações oferecem um modo rápido de transmitir uma DST específica que o parceiro porta.

Nada disso faria o autodidata ficar apreensivo pelo fato de não gostar de usar preservativo. Henrique sabia da condição de saúde sexual de Analu. Casada, temente a Deus e fidelíssima em todas as suas ações, ela seria o elo entre a felicidade e a confiança, entre o denodo e a responsabilidade, entre o prazer e a entrega sem limites.

A Santa e seu parceiro Henrique não pertenciam aos dois grupos:

Grupo 1. Mulheres com um baixo conceito de si mesmas se oferecem sexualmente a fim de se sentirem aceitas. A falta de auto-estima delas as deixa sem condições de insistir em que seus parceiros usem uma camisinha.

Grupo 2. Homens que valorizam muito o próprio prazer sexual têm mais probabilidade de ter múltiplas parceiras sexuais e menos probabilidade de usar a camisinha em todas as ocasiões.

Henrique NUNCA valorizava seu próprio prazer. Ele NÃO ERA egoísta a tal ponto. Por outro lado, Analu tinha um excelente conceito de si mesma. Em verdade ela se considerava uma guerreira vencedora de preconceitos e mazelas sociais. A prova maior era sua irreverência e ousadia.

Após as atribulações do dia e ver de perto mais uma degradação familiar quando foi à delegacia naquela ensolarada manhã, Henrique faria por se merecer de uma companhia tão agradável daquela mulher cujo hálito aspergia o perfume de um lírio exótico do tipo açucena única.

Analu merecia e queria comemorar, com ousadia, à volta às aulas. Antes das 21h17min ela resplandeceu em seu traje branco imaculado. Parecia uma médica adolescente em seu viço e esplendor feminino.

Um beijo e um abraço fraterno, já na entrada da casa dos sonhos coloridos, selou o pacto de mútua discrição e recíproca cumplicidade. Finalmente aconteceu, entre os que se mereciam e queriam. Amaram-se e foi bom para ambos. Aquela seria sempre uma noite memorável.