4 amores e nenhuma estória pra contar

4 amores e nenhuma história pra contar

“...talvez o caminho seja desistir”, ele pensava, e a cada noite se convencia mais de que a expectativa nada mais é do que o prelúdio da tragédia; era como assistir ao projétil aproximar-se de sua cabeça, e sentir uma excitação tal que o levava a querer viver aquilo até o fim.

Cultivava cada dor como se fosse uma filha adoentada que precisa de carinho e atenção, e ignorava toda e qualquer possibilidade de alegrar-se. Ao se deparar com qualquer espectro de contentamento, cegava-se e saía do caminho, pois aquela iminência da felicidade o assustava a ponto de fazê-lo se esconder e chorar, tal qual um cachorro sem dono ao ouvir fogos de artifício que parecem comemorar seu medo.

E engana-se quem pensa que ele sempre foi assim.

Houve momentos em sua vida em que flertou com a ventura. E como dói lembrar...

Toda e qualquer memória do tempo em que foi feliz o machuca, e se sentia um transgressor da lei por fingir ainda viver aquela tarde em que ela deu três ou quatro passos apressados de gueixa em sua direção, ficou na ponta dos pés pra agarrar o seu pescoço e lhe disse: “Ninguém no mundo jamais será capaz de me fazer feliz como você me faz”.

Isso passou, e talvez alguém tenha sido capaz. O fato é que agora isso nada mais era que uma memória proibida, e foi aí que ele pensou que o caminho fosse desistir.

Ainda assim, tentou de novo.

Quando a conheceu, todas as coisas se tornaram possíveis. Não tinha vontade de dormir, porque assim teria menos tempo do dia pra pensar nela, e fazer planos, e fazer contas, e comprar liquidificador. E ela ligava o tempo todo pra saber dos planos, das contas e do liquidificador. Ele contava tudo, nos mínimos detalhes, e só se ouvia “eu quero te ver”, “quanta saudade”, “eu não vejo a hora”, e “são quatro velocidades e com o copo giratório retrátil”.

Ela deixou as contas e um medo enorme de ficar sozinho, mas levou os planos e o liquidificador.

Assim seguia, desistindo, e logo em seguida desistindo de desistir. Tentaria mais uma vez, sem entrega, sem amor, sem telefonema às quatro da manhã e sem “não esqueça de mim nem ao dormir”. Aí sim conseguiu não amar; tinha tudo o que precisava, e sem precisar de fato. Há tempos não se sentia tão bem, quando era isso o que mais temia.

Decidiu deixar uma fresta pra aquela dose gelada de alegria, e quando já embriagado, olhou para ela, que sorria como sorri quem está no meio de um orgasmo, e dizia estar tão apaixonada, que foi capaz de chegar ao ponto de fechar todas as janelas do mundo e eternizar aquele momento de suor, gozo e mais suor.

Foi aí que ela deixou de permitir que a alegria entrasse pela fresta, e ele, amaldiçoando-a, foi embora com as janelas, deixando-a apenas com o lençol e um travesseiro pra abraçar.

“Ela que desista”, pensara, sem entender como podia ser tão egoísta, e ao mesmo tempo percebendo que fora o próprio egoísmo quem o colocou ali. Sentiu-se bem.

De forças e esperanças renovadas, ousou tentar novamente: quando se beijavam, sentia um gosto doce que não sabia explicar, e ao fim de todas as pernoites voltava pra casa com o cheiro de chocolate do seu cabelo impregnando-lhe o nariz, erguendo-lhe a cabeça, e corrigindo-lhe a postura. Sentia-se mais alto e mais forte, e queria enfrentar o mundo.

Ela também foi embora.

Finitas as forças, decidiu que era hora de desistir.

Jogou os remos no rio pleno de suas próprias lágrimas, e decidiu que, necessário fosse, não tentaria sequer nadar. Então seu pequeno barco atravessou aquele enorme rio, e ele chegou ao cais em que ela o aguardava de braços abertos, com um sorriso enorme a lhe rechear a face, e...