Paulista

Paulista!

Um pedaço de mim fica na calçada esburacada da Avenida Paulista. Naquela poça d'água, naquele resto de chuva já aquecido pelo sol. Alí encontram-se reflexos meus, reflexos surpreendidos com a espontanieadade da vida que aqui explode desconcertada. Alí, naquela poça, repousam minhas reflexões.

No sol quente do meio dia, ando apressada por ela, Senhora Paulista. Não que eu tenha pressa, mas pelo simples fato dela, de alguma súbita forma, me apressar. É como se fosse perder o ônibus - que passa a cada minuto - ou mesmo perder o metrô. Mas não é isso.

Sobre minhas idéias e cabeça correm helicópteros, aviões, abutres, pombos e quem sabe até um sabiá. Uma grande chuva se aproxima, mas o movimento intenso não se desfaz. Logo os buracos serão poças e as pessoas correrão mais. Toldos, bares, botecos: abrigo. Um encontro, tudo é motivo, cerveja, risada, novos amigos, a Avenida Paulista é uma contradição explícita que já fez solo em mim - e eu fiz solo nela e a poça é quase como meu coração.

Chove, e como chove! Um ou outro aproveita e se banha, se lava, mendigo que é. Sabe-se lá quando irá chover novamente, de acordo com as previsões, só daqui um mês. As pessoas nos carros se irritam: o trânsito parou. Nem um minuto de chuva e como se brotasse da terra, centenas de vendedores de guarda-chuva abrem-se nas bocas de metrô. Quem olha de cima, lá do vigésimo quinto andar, vê flores pretas que andam pra lá e prá cá! Mas é preciso ter sensibilidade, é preciso deixar a Paulista de tocar.

E tocou. Por isso que naquela poça, mora minha mais profunda reflexão. Ela encontra-se quase no Paraíso, num trecho entre a Brigadeiro e a Praça Oswaldo Cruz. É a poça mais profunda, é o que me restou do solo Paulista, é o que vou levar comigo no frio.

É certo que em dias secos ela já muito me maltratou. Fazia eu torcer o pé, quebrar o salto, esbarrar no mulato da banca de alça de sutiã. Mas é uma poça interessante, vejo nela recortes do céu. Sim, posso ver o céu dentre os prédios.

Através dos prédios de mil andares, escadarias, estacionamentos, dorme uma Avenida intensa e que é sede de mim. Se eu pudesse escolher a sede de meu reinado, seria num escritório gelado da Paulista sem fim.

E eu, lá de cima, no milésimo andar, ia ver surgir a vida que acorda bem antes das seis. Eu ia andar calma pela calçada, não me importar com nada, saindo do Paraíso e indo pra Consolação.

Poderia até ficar numa torre, numa antena, mas o me me intriga é poça d'água que nomeei meu coração. Ela reflete o espírito da Avenida e não é nenhum cimento ou lajota que irá fechar que irá calar. A poça fala e canta 'sampa', é poesia, samba e modinha de sexta-feira na frente do Trianon.

Do vão livre do MASP é onde vejo o nascer do Sol, assim, comprido e rápido. O ônibus passou.

Saudade, pocinha d'água. Saudade, senhora Paulista. Fique bem.

(esse texto fez um ano ontem)

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 02/11/2008
Código do texto: T1262113