Era ali

Era naquele bar que costumávamos tomar umas e naquelas ruas que andávamos bêbados pela noite. E riámos e abraçávamos e declarávamos o amor um terrorista. E tudo envolto num calor húmido sub-tropical.

Era naquela calçada deformada que sentávamos para fumar um cigarro e na mureta que recostávamos as canetas que repetiam versos populares.

Era naquela praça que deitávamos na grama e imaginávamos por que as pessoas penduram tênis nos fios dos postes. Era naquele mesmo céu opaco, carente de estrelas, que imaginávamos todas as constelações.

Eram naqueles últimos assentos do ônibus que cantávamos canções do Chico e eram por aquelas bandas da cidade que costumávamos calar e olhar a tristeza de um mundo emergente. E nos intrigávamos e queríamos mudar tudo, sem saber que aquele nosso discurso já havia sido repetido milhares de vezes por outros tantos assim. Era naquela pedra no clube municipal que muitos vieram para ouvir falarmos dos sonhos. E eu te encheria de política e você me espancaria às rimas, éramos prosa e poesia, enfim.

Era naquela ladeira cotidiana que adivinhávamos se o velho da loja de estofado estaria fumando ou não. Era naquela esquina que a árvore de flores de côco perfumaria meu cabelo. Era no guardanapo de papel que escreveriámos nosso manifesto que eu guardaria para sempre. Era ali que nós erámos nós mesmos, inquietos corpos vividos por dezessete anos. Era ali.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 05/11/2008
Reeditado em 07/11/2008
Código do texto: T1268321