Verdade(?)

"Sonho a realidade."

R.M.Rilke

Aquela realidade. Não sei descrever. Passam as árvores, do vento crescem folhas, ouço os navios ladrar aos cães, mais distantes as aves no bolso me pesam como estrelas. Não sei descrever o que os dedos sentem.

Ferindo a solidão, crescem as avenidas inventadas pelo mar, por elas percorro a voz, a tua voz nos colóquios do vento.

Ferindo o sonho, breve, tudo o que é breve como o dia que se demite ao sorver a sombra à luz. Amanhã o verso será a certeza sufocante dos lábios, as folhas definitivas para recitar outras horas. O mundo entre os dentes, querer sentir um lugar onde fosse possível aquela realidade.

Um olhar diferido à imaginação.

Os Domingos convocados por espelhos de cor feliz,

as janelas voluptuosas com os vidros da neblina.

E quando souber interpretar os lagos distintos do infinito,

os insectos velando a retórica da verdade.

Assim o sonho. Confuso na dor intacta da alegria. Expondo a solidão, crescem as avenidas dispersas pelo mar, por elas percorro a voz, a tua voz no anúncio do vento.

Aquela realidade possível. Sem os contornos do mundo. Notícias sobre a perfeição ditas no verde longínquo dos campos, ao entardecer,

e

os nós da tua pele adejando o desejo, o mar bebido ontem no desejo

e

querer sentir um lugar para descrever a realidade tão visível como o sonho.

Aquela realidade próxima da vida ou da imaginação da vida ou ainda da vida.

Os Domingos na vigília dum brilho aéreo,

quem partiu pela noite,

a angústia coada em vitrais,

o concerto incontável dos pássaros,

talvez a espuma em declive pela insónia

e os ombros unidos num patamar oceânico por dentro das veias.

Idêntico sonho em coágulos

bebendo o amor do dia.

E estaremos amanhã com o corpo entre as margens do mar, um vínculo de imagens

da nossa sombra.