BAILARINA AZUL

Porcelana fina, gelo espesso, dias frios. E ainda mais frios para aquela cujas feições eram mínimas: grandeza física parada no tempo. Mãos pequeninas. Para aquela que via tudo crescer a sua volta, quase vampira com ares de imortal. Menina de beleza clássica era. Sutil. Vista de perto, entretanto, uma gárgula das catedrais na Idade Média: malina,mulher.

E ela me sembrava mais frio, menos sol e até menos lua. Não bastasse a sua condição de sempre – pequena - coração- de -gárgula, não bastasse as distintas facetas de menina e mulher a conduzi-la em suas sendas, ainda teria de carregá-las sem qualquer auxílio, senão os mimos que lha dispensavam.

Agasalhos azulados de lã grossa omitiam a formosura fêmea, os alvos botões abertos semeados no colo, as pernas cândidas, roliças, porém à margem, à mercê do seu rosto, pueril -nevasco- rosto de mais-chuva. Qualquer nódoa felina que lha pudesse quiçá quitar-lha o carão de menina estava nula, embaixo do azul espesso e assim,com a volúpia dispersa, foram-lhe seus dias de bailarina amadora sobre o fino gelo.

Taciturna, tapava os ouvidos, protegia as orelhas. Sempre linda, sempre tenra. Uma vez perguntaram - lha o que fazia. Seria atriz.

-Que gracinha!

Mas de graça nada havia. Eram duros os caminhos. Já fazia a faculdade há anos, deparara-se com humores e rumores, mas nenhum chistoso deveras. Para uma bailarina-menina, natural a cortesia recebida de praxe. No entanto, tinha vinte e um de idade. Não alimentar – se - ia de graças e mimos. Com vinte e um o afago parado no tempo desconsola, quase machuca o não ver das garras, o corpo latejante, alma amadurada, laconizada pelo semblante de mais-chuva, justo o que o azul do agasalho cruelmente não escondeu.

Bailou pelo gelo parecendo nada poder diante do destino cru de uma bailarina amadora, desolada para o passante da praça, para o amigo da família. Uma tola niña cujo sonho é atuar, sem fendas na face aguardando respeito.

-Graça de criança, quer ser atriz!

Já vinha sendo-o há tempos. Recebia nobremente tais dizeres desde os nove. Sorria inédita em todos eles. Mas tinha vinte e um de idade, e ao coração não logrou enganar. Sabia na sua infinda batalha,nas leituras de páginas mofadas, e até nos bailares amadores de fada, quanta evolução se extraía da moça pela qual davam nada.

Havendo alguém a observá-la, ouviria maturidade e no seu pesar, a disposição em revigorar a esperança, um figurar de virtude e devoção. E lha dariam tudo por mérito, nenhum aplauso por compaixão.

Sabe-se: tem vinte e um de idade e viu – se subjugada. Do outro lado da cidade, noutra casa, uma criança cor-de-rosa rejeita uma bailarina azul ainda na caixa.

Juliana Santiago
Enviado por Juliana Santiago em 19/11/2008
Código do texto: T1292041
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