É tão estranho.

É tão estranho mostrar a face devassa do homem em forma de soneto, sutilmente escancarada na musicalidade de rimas esparsas, ritmos confusos.

É como viver em dueto, ser um enquanto rima, ser outro fora da poesia, ser muitos. É tão estranho ser platônico e ser real, tão triste, tão difícil, tão banal.

É tão estranho ser si mesmo enquanto os outros o julgam pelo que não é. De tanto falarem a calúnia, até parece que você se torna o que eles querem que se torne. É tão estranho ser si mesmo num mundo onde o estereótipo vale mais, onde o platônico não encontra forma de ser exteriorizado, onde o real finge ser platônico para tornar a realidade menos insensata. É estranho conviver, viver, harmonizar, exaltar, tudo é tão milimetricamente calculado que não há mais o arroubo, o êxtase de dor, pois isto não serve para os parâmetros normais. É tão estranho, então, ser humano, confuso, difuso entre linhas bem delineadas tão escassamente limitadas por normas, parâmetros, padrões. Não ideológicos- antes fossem- mas padrões de emoções vulgarizadas e sem cor. É tão estranho viver no preto e branco, ser errado e ao mesmo tempo parecer santo, pois para o mundo não podemos ser dois em um, sim, apenas uma embalagem empacotada de comportamentos previsíveis, não há como ser hora ruim, hora bom, você só possui um caráter, afinal. Mas isso é o que eles dizem. Podemos ser duas almas em um pacote só, a forma mais racional e ao mesmo tempo irracional da mais bela das contradições – ser humano. Ser humano é ter opinião hora boa, hora má. Ser humano é enquadrar-se a cada tipo de situação-como um encaixe perfeito, não em normas, mas em momentos. Ser humano é não estar em busca de felicidade plena e absoluta, pois esta não existe, mas buscar, instante a instante ser feliz num arroubo de emoções. Mas ser humano, sobretudo, é acreditar na felicidade eterna, ao menos quando se é feliz, ou pensar que a própria dor é a maior-antes de conhecer o calo alheio. Ser humano é mudar. Pois pimenta nos olhos dos outros é refresco e quando esta vier a refrescar os nossos olhos? Como posso dizer que comigo será diferente se eu ainda não vivi? Ser humano é esperar. E esperando, o ser humano há de mudar, rever os conceitos antigos e abstratos, pois a vida é mais concreta. Ser humano é furtar-se diariamente de dizeres e experiências banais. Ser humano é absorver conteúdo, é reviver de forma diferente a cada dia o mesmo mundo. Ser humano é renascer em cada aurora, esperando o incerto. Ser humano é ser paradoxo, infiel, fiel, injusto, justo, pois o que é para mim injusto para outrem pode ser a mais bela justiça, pois o que parece imoral nesta situação, em outra casa, outra civilização acaba sendo a mais sutil das moralidades. Por isso ser humano é o encaixe diário da natureza voraz do cotidiano. Estranho? Mais estranho é se enxergar como humano... Falho, viril, virtuoso, qualitativo, fraco. Como é estranho ser ser - humano! É estar-se preso, sem vontade, a tão perfeita inexatidão. Mas hora surge a vontade de ser exato, ou até perfeição. Como sanar as verdades a cerca da natureza humana? Verdades não se sanam, apenas se entendem e aprimoram. Ser humano é estar, então, preso ao aprimoramento constante? Correto! Ou não... Depende de cada ser humano ou de cada momento em questão! Ser humano é antes amadurecer que retroagir. Ser humano é falar, é viver sem exigir tanto do porvir... É acreditar, ter fé, planejar e até sonhar. Mas é antes ser consciente, como todo e bom pagão ou crente, que para morrer, bastar vivo estar... Como é estranho ser humano! Mais estranho ainda é tanta contradição aceitar!

Andrea Sá
Enviado por Andrea Sá em 27/11/2008
Reeditado em 27/11/2008
Código do texto: T1305371