Um pouco mais do mesmo de sempre...

Se esse oceano não fosse mais que um pequeno lago, essa imensa solidão seria mera saudade, dessas que a gente gosta de sentir porque sabe que falta pouco, é logo ali...

Saudade que se mata com telefonema inesperado de manhã, almoço com cadeiras grudadas, sorvete de sobremesa, banco de praça, beijo babado, te amo, te ligo mais tarde.

Deixa de ser mera saudade quando há medo. De não voltar, de esquecer, de conhecer alguém melhor, nunca mais telefonar.

E o medo de perder afasta, como um ímã invertido.

Sabe-se lá porque, vocês resolvem morar um de cada lado do oceano (outrora pequeno lago), riscam os telefones de quem se foi, como se os fosse esquecer, como se isso fosse suficiente pra esquecer o nome e a covinha que surge quando ela sorri.

A aliança vai pro lixo, com o que restou das cartas, do cartão de natal, do artesanato feito com o maço de cigarros com as iniciais dentro dum pequeno coração torto.

Antes de ir pro lixo, tudo é cuidadosamente amassado e amaldiçoado, pra se ter certeza de que nada vai criar vida e voltar pra gaveta, que nada vai voltar a assombrar, como se isso interrompesse as lágrimas, esquentasse as noites, curasse as feridas.

Aí você passa a querer de volta o tempo em que tudo o que sentia era mera saudade, e tem vontade de voltar atrás, fazer tudo certo dessa vez...

Mas o próprio medo o impede. E o medo gera medo, que renasce medo e nunca morre.

E mesmo apavorado, você decide subir ao farol pra tentar enxergá-la do outro lado do enorme oceano. Em vão.

É quando volta a sentir saudades do tempo em que dali se via apenas um pequeno lago, com uma pequena ponte de madeira na qual vocês passavam as tardes de domingo riscando as iniciais em corações tortos em cada pedaço de tronco, documentando o amor, numa tentativa frustrada de eternizar algo que de tão passageiro, já não existe mais.

Depois de tanto medo, o que resta é a dúvida, o não saber. E unicamente por não saber pra onde ela foi hoje, se ela voltou cedo pra casa, se está dormindo sozinha, você passa a odiá-la, e a duvidar do amor.

Duvidando do amor, você se fecha numa redoma intransponível, e fechado para o resto do mundo, o que resta é vê-la voltar pra você. Afinal, durante todo esse tempo, ela também esteve no farol tentando te enxergar, e rezou noites a fio pra voltar com você à pequena ponte pra juntos riscarem um novo coração.

No entanto, quando ela volta pra você, você já se fechou tanto em sua redoma, que agora é incapaz de tocá-la, senti-la, beijar sua nuca e fazê-la tremer.

E hoje você é isso: um aprisionado morrendo de medo, por não saber sentir apenas... saudade.

Daí você a vê vivendo a vida, enquanto lá fora todos dizem que, uma vez presos, não há volta, e isso a faz, inadvertidamente, desistir de você.

Sem outra alternativa, ela conhece pessoas, comete erros, sofre, chora, se diverte, goza, vive.

Enquanto isso você comete erros, sofre, chora, se diverte, goza, e jura trocar tudo por mais uma chance de afastar-lhe o cabelo das costas, apertá-la contra seu corpo e fazê-la tremer até desmontar morta de cansaço e alegria.

Visto que isso é tão improvável quanto é desconhecido o que há por vir, você mantém-se na segurança da redoma, compartilhando o que sente com os que também optaram por estarem sãos, salvos e sós.

E como tem gente sozinha nesse mundo...

Quem sabe um dia ela também se refugie na redoma, e possa assim te achar.

Quem sabe um dia ela perceba que não poderá ser tão amada por mais ninguém, e que nunca amará alguém como a você.

Quem sabe o próximo poema seja uma ode ao amor, à alegria de reencontrar aquilo que simplesmente não poderia ter partido nem por um minuto, e por isso se fez tão presente por todo esse tempo em que ambos foram apenas um.

Quem sabe tudo isso seja apenas fruto de uma mistura inapropriada de bebida, cigarros e uma música triste.

Quem sabe isso acabe antes que eu volte a pensar em você.

Tomara que não antes de eu descobrir qual inicial cabe no meu exausto e rabiscado coração.

Slash
Enviado por Slash em 10/12/2008
Reeditado em 10/12/2008
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