Lepidópteros

Não há sensação melhor, do que conhecer em plenitude, as mensagens ocultas, insinuadas pelo teu olhar. E chego-me assim, sem licença prévia, como um vírus filtrável num ciberespaço, e vou decifrando teus mistérios...

Conhecedora do que te vai à alma, intérprete fiel dos teus enigmas, me aconchego a tua corporeidade porque me sinto inacabada e, ciente desse princípio de vida, busco a completeza no teu ser. E somos assim, como a ramificação de dois talos de uma ramalina celastri que procura um ponto único no substrato, para prender-se, numa necessidade vital.

E assim, ficamos lado a lado, como os dois talos, a percorrer os caminhos da chegada. Procuro no repouso do teu ombro, a sensação das promessas que se renovam.

As avenidas são extensos caminhos e tornam-se belas, quando as percorremos, juntos, buscando sempre um motivo para não nos separarmos...

E sem nos darmos conta, fazemos de conta que é indispensável estarmos juntos para buscar o adorno que colocaremos sobre o singelo console ébano.Talvez o simbólico templo romano de Vesta, guardado pelas vestais... Ou a estátua de bronze, carregando uma pátera para as oferendas de frutas... Talvez, elegeremos juntos os monarcas etruscos para a mesa do escritório. Precisamos cuidar juntos as rosas que cultivamos... Ver um novo filme, no cinema ou em nossa sala ou talvez, em nosso quarto. Escolher um presente para um amigo e nos darmos presentes.

E assim, parece que as coisas mais simples precisam ser feitas a dois porque assim queremos.

Está sobre a lareira o quadro de rosas gregas, simbolicamente femininas, que escolheste, anunciando a primavera... As mesmas rosas exóticas da Roma dos Césares...

Às vezes, vejo-me a observar os teus cabelos grisalhos de rara beleza. Já contam muitas histórias...

Um medo passageiro assola minha mente. Lembro as rosas, centralizadas nos vitrais góticos, a indicar a passagem do tempo. Tenho medo das partidas, pois se assim for, não andaremos mais pelas avenidas de flores, não faremos escolhas e, nem poderei como um vírus invasor, desvendar o segredo oculto no teu olhar.

Os grisalhos dos teus cabelos quero acariciar por muito tempo e caminhar pelas avenidas muitas vezes, vivendo nossas ilusões, enquanto é possível.

Admiro as femininas e exóticas rosas gregas e romanas... E, também as rosas do nosso pequeno quintal, o sol da nossa casa, as flores roxas do jacarandá a formar um tapete, sobre as pedras molhadas da chuva.

Quero viver sem receios a teu lado, como a lagarta do casulo, que se sabendo inconclusa, busca sua produção alada.

E façamos de conta que somos as lagartas inconclusas e, que um dia, seremos as magníficas borboletas. Aladas em cerúleo e ouro, alçando vôo sobre as rosas gregas e romanas e as rosas do nosso quintal.

Então, depois de muito tempo, como dois lepidópteros da ramalina celastri procuraremos um ponto único na eternidade e, juntos, voaremos contentes, para as rosas centrais dos vitrais góticos e lá permaneceremos , em completude, nessa paisagem de fundo, ajardinada de rosas.

Eliza Fernandes
Enviado por Eliza Fernandes em 06/04/2006
Reeditado em 06/04/2006
Código do texto: T134921