Dança das Multidões

Triste mesmo é acordar e notar que aquilo não passou de um sonho.

E sonho não se aproveita, não se usa como argumento pra que se encontrem ao meio-dia na catraca do metrô.

O sonho acaba quando acaba o sonho. Não tem seqüência, como cena de cinema. Não tem utilidade, razão de existir...

Assim fosse, teríamos, no mínimo, uns três amores simultâneos, todos puros e verdadeiros.

Mas não. Aquela do sonho é só aquela do sonho, e não há como materializar aquele encontro no meio da multidão, com diversos sons e cores, sem nenhuma definida, quando tudo que parecia palpável era a sua silhueta cor-de-rosa, e até hoje eu não sei o porquê dessa cor, sendo que você nunca gostou dela.

O fato é que o seu vestido era cor-de-rosa, e você dançava, sem nunca ter gostado de dançar, e eu assistia – acho até que aplaudia – e nós nos abraçávamos, e já não havia qualquer resquício da multidão. Estávamos sozinhos num sofá qualquer, a televisão ligada, ninguém assistindo, e nós nos amamos.

O problema é que quando acordei pela manhã, tudo estava normal. Você não estava aqui, e eu jamais ousaria te ligar e te chamar pra assistir televisão, pra dançar no meio da multidão.

Quando acordei, as minhas obrigações eram as mesmas de sempre, e na agenda do dia não constava qualquer encontro à tarde no motel, nenhuma estréia no cinema, nenhum bar novo que você tenha insistido em me fazer conhecer.

A verdade é que, entre o sonho de ontem e o de amanhã, não há ninguém que faça assim tanta questão da minha presença. E talvez também por isso você me faça tanta falta.

Não que eu me sinta sozinho, não que eu não me sinta.

Só precisava escrever isso porque sonhei com você essa noite, e quando acordei você não estava aqui.

Se não posso materializar aquele encontro, sobra o texto, o registro.

E é bobagem pensar que vou sonhar com você de novo nessa noite, porque eu simplesmente não sei. Não sei se vou dormir. Se dormir, não sei se vai ser sozinho. Se sonhar, não sei se vai ser com você.

Afinal, não que eu não me sinta sozinho, mas às vezes a vida parece uma cena de cinema, então pode ser que na próxima tomada o meu personagem esteja numa cena de amor num sofá, a televisão ligada. Quem sabe dançando no meio da multidão...

Slash
Enviado por Slash em 23/12/2008
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