O homem que pensava que não sabia amar

Um dia conheci o Zé. Alcunha de José. Homem sério, comprometido com o trabalho e a família. Retrato vivo do verdadeiro provedor. Pouco sorria e nem sempre estava livre para brincadeiras. Algumas vezes, brincava com os amigos de trabalho, coisa de homens...

Suas folgas se resumiam em passar o tempo em casa, no seio da família e o computador. Ali, ele esquecia o resto. Era um mundo que não lhe oferecia nenhum perigo real.

Mas nem sempre esse homem fora assim. Quando criança corria pelos campos, jogando ‘pelada’, empinava pipas... Embora sempre quando tomava gosto pelas brincadeiras algo o lembrasse de suas responsabilidades. Tão menino e tão responsável! Seus irmãos menores eram suas tarefas, pois tinha que alimentá-los e prepará-los pra irem à escola.

Seus pais trabalhavam muito pra dar educação e algum conforto aos filhos, mal percebiam que suas ocupações não os deixavam expressar seus sentimentos, e com isto, não podiam participar dos melhores anos e nem mesmo ver o esvair da infância dos filhos. Amadureceu rápido demais. Não houve tempo para festas, amizades, porque havia o trabalho, a escola, a família.

Com a morte da avó materna, Zé já não recebia o carinho e a dedicação e sofria com a perda e a saudade. Sem perceber ele endurecia como uma semente asfixiada pelo lodo. Não ouvia o apelo das paixões, não sentia o calor do sol em seu rosto, nem via romantismo nos claros raios do luar. Era um ser aparentemente cético. Não se dava conta de que dentro dele escondia um gigante adormecido. Zé deixava escoar as oportunidades de felicidade porque não sabia doar-se aos outros. Atrás de suas máscaras ocultava o amor, o perdão, as lágrimas. Seria defesa ou falta de comprometimento com a vida?!

Zé desconhecia que ao buscarmos a nossa felicidade sofremos tensões, decepções porque nos outros é que projetamos a nossa própria busca.

Assim Zé seguiu pela vida. Casou-se jovem e o peso da responsabilidade cresceu com o nascimento dos filhos. Durante um bom tempo ele não percebeu que sua juventude também foi perdida, mas também não se lamentou. Até hoje ele é um provedor consciente da família, dos seus deveres de pai, marido e homem.

Vivo tentando entender o Zé que apesar de não ser um conservador impulsivo não se contenta com as coisas simples e classifica a relação das pessoas entre si e outros seres. Daí algumas vezes se comporta como déspota. Dissolve a liberdade pessoal e a comunicação interpessoal.

Na verdade, a maioria de nós esquece que a vida é construída por todos e acredita que são os meios capazes e com isto não fazemos parte da caminhada do buscar conectado com os demais. Esquecemos que o coração é um órgão fundamental e que o poder, o ter, não são nada diante da grandeza do ‘ser’.

Não precisamos viver superficialmente. Temos que aprofundar nas relações mesmo que tenhamos que sofrer. Sem ousadia não crescemos porque amar é uma dádiva que germina qual uma semente que se liberta, cresce e floresce. As dificuldades que encontramos sempre são suplantadas por etapas do nosso germinar. A força que vem parte do movimento de nossa consciência do amor verdadeiro.

Temos que nos permitir viver com quietação, jovialidade, ternura e com toda a implicância que consiste em dar e servir aos outros. Conviver e viver com qualidade nos leva a fenecer àquilo que destrói em nós e nos outros a possibilidade de existir. Concluímos que alimentamos ter mais problemas imaginários do que reais. Podemos e devemos nos consentir a chance de voltar a sorrir e apresentar o seu melhor a cada dia.

Hoje, posso dizer com toda segurança, que o Zé é uma pessoa linda, maravilhosa, amorosa, embora ainda seja um ser comedido em seus sentimentos e algumas vezes, extrapola nos ressentimentos. Mas o mais importante nesta história é que Zé é um sobrevivente numa sociedade ainda calculista e esnobe, pois não se deixa sucumbir pelo brilho do ouro dos tolos.

Tenho certeza de que qualquer dia ele se descobrirá a tempo de viver bem mais feliz!

2007