Coraçãodevidro
Coraçãodevidro
2 de julho de 1990 segunda feira
Meus pés andam pelas calçadas da noite.
Ficam roxos de pisar em cacos de vidro
- pedacinhos de meu coração-
E sou o grande rei. Ou melhor:
“Non rex, sed caesar.”
Sim, sim. Não é brincadeira
e nem dissimulação.
Sou aquele que sofre de tédio
e não tem como afogar-se.
Sou aquele que tudo sabe
e que desconhece o mais simples gesto.
Sou um pedaço de Universo,
implodido ao limite de qualquer explicação.
Sou também passarinho em tempestade,
com frio e semi-morto vendo o fim
sem ter aprendido a voar.
O passarinho que viu o sol da madrugada
e que não sabe assobiar para contar a todos.
Sou um papel velho, roto e sujo
jogado na calçada.
Pisam-me sem ver-me.
Papel com segredos de um jardim sombrio.
Como um buquê de flores, desmaio ante o corte
e sobrevivo com dor
para sentir olhares sobre minhas mortas pétalas.
Sinto-me bem assim,mas a vida foge
pela água do vaso
e já nem sei qual a cor de meus olhos.
Lá no campo tem um ramalhete
de copos de leite azuis.
Caminho no meio deles
sentem vergonha de meu coraçãozinho
e suspiram sem compreender.
Há um frio e ele esta escondido em minhas mãos.
Isso quer dizer que devo ir às escolas
e assassinar todos os professores.
Mas não tenho pratica alguma disso,
logo, inicio por minha casa.
Perdôo meus pais e arrebento meu coração.
E com todo o frio necessário,
parto para a rua de moinhos e fantasias.
Revelo-me tão cru e sozinho:
Bato à porta de alguém. Ninguém há.
Existe um caminho fácil,
mas o homem de coraçaodevidro
não o entende e segue desesperado e sozinho.